Wednesday, August 27, 2014

Episódio 4 - Rivalidades




Dia 2 de Janeiro de 2013

Nazdan Neto é um sujeito negro, barrigudo, possui o cabelo raspado. Ele foi o primeiro a chegar à casa de sua família naquele dia, havia passado o dia fora aproveitando uma “churrascada” de início de ano com a namorada. Bebeu tanto que, quando adentrou seu quarto, caiu na cama e mal notou que seu irmão Joel de Aparecida, mais conhecido como o vigilante misterioso de Joanópolis, Rider, havia desaparecido desde o dia anterior.

Nazdan foi para o quarto de seus pais e ligou a televisão velha que lá havia. Lá ele teve a infelicidade de ver as notícias do dia.

“Bom dia” Era Patrícia Poetisa, apresentadora substituta, cuja qual iniciava o jornal de São Paulo todas as vezes que algum outro jornalista estava de férias.

“Um conflito entre gangues rivais que aconteceu nesta madrugada  causou destruição e mortes em um ginásio abandonado próximo à saída para Pouso Alegre. Um grupo de traficantes se trancou dentro do local e apenas evacuou-o após um confronto armado com a polícia. A Reportagem é de Artemis Perrini.”

“A região lembra Berlim depois da guerra. O ginásio localizado na avenida Mario Pinheiro foi completamente destruído quando duas facções criminosas entraram em um conflito armado que apenas terminou quando a Polícia Militar de São Paulo interveio. O Capitão da operação que levou mais de quarenta presos e deixou quinze suspeitos feridos diz que a justiça ainda está longe de ser feita.”

Vemos o cenário de guerra,  o ginásio completamente destruído, estilhaços e pedaços de tijolos por todas as partes, o capitão da ROTA, Luan Carvalho, dá uma entrevista:

“Um dos nossos oficiais foi espancado gravemente por um dos homens envolvidos no conflito, porém este havia escapado durante o caos generalizado, estamos ainda procurando por ele e pelos demais membros das organizações criminosas que escaparam ontem à noite.

Artemis continua a notícia.

“O Policial Nazdan de Aparecida Filho foi baleado e espancado por criminosos no dia trinta de dezembro de dois mil e doze, as autoridades suspeitam que o autor da agressão fora Alberto Everardo, o barão das drogas da Vila Joanópolis, e pretendem leva-lo à justiça a qualquer custo. A delegada Jonna Darc também pronunciou esta manhã que há suspeitas de que um grupo de vigilantes esteja, de maneira ilegal, fazendo justiça por conta própria.”

A Delegada, uma mulher branca, de cabelos lisos, castanhos,  vestindo as roupas da polícia de Joanópolis, dá um pronunciamento.

“Ainda não sabemos o paradeiro dos envolvidos em atividades de vigilância, mas nós abominamos qualquer tipo de tentativa de violência contra criminosos, este é um trabalho para a polícia e estamos dispostos a prender qualquer pessoa que esteja fazendo o nosso dever.”

Artemis Continua:

“O capitão da ROTA ainda diz que crê que a justiça somente será feita quando o agressor do oficial Nazdan Filho for realmente capturado. Eu sou Artemis Perrini, para o Bom Dia São Paulo.”

Nazdam Neto muda de canal apenas para deparar-se com um programa de auditório, parecia ser um desses programas matutinos, com vários apresentadores e pessoas dando suas opiniões quanto a incidente da noite passada.  Um homem de óculos, parecendo ser o anfitrião do programa, dá sua opinião:

“Como a própria delegada alegou, não é recomendado realizar esse tipo de ação contra criminosos, é uma atitude muito perigosa que pode causar terríveis consequências  para quem tenta fazer justiça com as próprias mãos”

“Exatamente, e nós não apenas abominamos o ato de vigilância, como incentivamos que essas pessoas sejam levadas à justiça da mesma maneira que os criminosos e...”

Nazdan resolveu mudar de canal mais uma vez e deparou-se com um programa policial, onde um apresentador, um homem gordo, de óculos, falava sobre nada mais que o ocorrido da noite passada.

“Olha só mas que ironia, a polícia da cidade de São Paulo está se tornando tão incompetente que nem prender o chefe do crime eles foram capazes, e ainda por cima precisaram contar com outro grupo anônimo para prender os criminosos que soltavam bombas contra a população nesta madrugada. Nós do São Paulo Alerta não simpatizamos com a ação de justiceiros, mas com certeza entendemos a situação do cidadão brasileiro, que está cansado de ser tratado como lixo!”

Nazdan decide desligar a televisão e dormir um pouco para repor as energias gastas na noite que terminou há algumas horas. De alguma maneira ele sente raiva do irmão por este não demonstrar interesse no fato de que o pai de ambos está morrendo, além de não ter deixado nenhuma notícia sobre seu sumiço desde a noite anterior, sua família estava preocupada. Mas ele estava cansado demais para se preocupar com isso.

Ao acordar, ele ainda se vê a sós em casa e ouve um chamado de sua mãe e de sua irmã em seu celular, elas o requisitam no hospital, seu pai ainda está em uma situação grave desde a noite em que foi agredido pelo traficante e a família ainda precisa de apoio moral.

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Meu nome é Alberto Everardo Junior, eu sou o filho do líder de uma das facções criminosas mais poderosas não só da Vila Joanópolis, local onde moro, mas também de Sampa em sua totalidade.

Eu sofri nas mãos de criminosos durante toda a minha vida. Homens que disputavam o poder entre si, na Vila Joanópolis, pessoas que roubavam, matavam, estupravam, assaltavam, vendiam coisas ilegais. Faziam com que as pessoas tornassem-se dependentes de seus produtos e que, se não pagassem, eram torturadas até a morte.

Eu lidei com quem fornecia recursos e segurança, ameaçando a população. Pessoas  que, em um jogo insano de poder, cobravam por estes recursos, e pela segurança, ameaçando a população. Pessoas armadas até os dentes, que faziam simplesmente o que queriam com o povo. Pessoas que tinham negociações com a polícia, que não faz absolutamente nada pela população.

Já enfrentei pessoas que queriam violar a minha paz, crianças, adolescentes e adultos, todos querendo me azucrinar, me machucar e me atemorizar. Pessoas que sabem que o poder se consegue na base da força, e a força quem tem são poucos, privilegiados, enquanto a maioria se faz de tapete, para que estes desgraçados pisem-na.

Eu conheço a sociedade onde vivo, eu sei como os homens de poder operam. E todas essas coisas podem ser somadas e encontradas em apenas um homem. O meu pai.

Mas existe um, porém, existe um homem que está se voltando contra tudo isso. Um habitante de Joanópolis decidiu que o poder não pode mais ficar nas mãos de poucos, existe um homem que está por aí, andando em uma bicicleta, tentando ir contra a natureza da sociedade moderna.

O motivo eu ainda desconheço, eu ainda não sei por que este homem decidiu fazer isso. Tudo o que sei é que eu devo ser o sujeito que trará ordem ao caos. O caos que este mesmo sujeito criou. Eu sou o indivíduo que irá fazer com que as coisas voltem à sua estabilidade e que a anarquia que ele está criando seja parada antes que ele comece a influenciar outras pessoas. Antes que isso se torne algo com proporções problemáticas para os poderosos.

E eu farei isso por que ontem à noite, ele matou o homem que representa o poder nesta cidade, o homem que assola e que faz a população de escravos. E esse homem é o meu pai.

Este vigilante está tendo poder sobre os homens que têm poder, ele é um lobo devorando lobos. Ele está oprimindo aqueles que oprimem. Ele está tendo poder sobre a soma de todas as coisas que têm poder sobre o povo de Joanópolis. Ele conseguiu eliminar o seu maior representante. E está causando medo em todos os seus subalternos. Consequentemente, agora ele está se tornando o homem mais poderoso de Joanópolis.

E eu vou mata-lo por um único e simples motivo:

Era eu quem deveria assumir esse cargo.

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O Agente da ROTA, Luan Carvalho, teve uma noite ponderável. Ele foi o responsável pela operação que matou sete criminosos e deixou mais quinze feridos na noite do dia primeiro de Janeiro, todos eles estavam em celas provisórias, usadas apenas para pessoas que ainda não haviam sido levadas ao tribunal e julgadas. Além disso, ele fora presenteado com o que agora todos chamavam de homem-fantasma. Alguém ou algum grupo de pessoas feriu vários criminosos que estavam em conflito durante a noite passada. E era seu dever preencher a papelada na delegacia e registrar cada pista e cada informação que ajudaria os investigadores a descobrirem o paradeiro dos dois criminosos mais perigosos da cidade.

Luan era pai de família, tinha uma filha de dezenove anos de idade, uma esposa falecida e uma vida devidamente estressante como policial. Era o sujeito que convivia com o investigador conhecido como Nazdan Filho, o homem mais honesto que Luan já havia conhecido. Por um ato miserável do acaso, ao tentar se infiltrar dentre os membros do grupo criminoso a serviço do homem conhecido como Albert Einstein. Nazdan foi descoberto e espancado até entrar em um estado agonizante.

Albert Einstein acreditou que o homem havia morrido em suas mãos, mas ele sobreviveu  e foi socorrido por moradores locais. Nazdan agora estava em coma, em um leito de um hospital e Luan estava disposto a encontrar Albert Einstein e sentenciá-lo da maneira que deveria.

Quando Luan chegou ao seu local de trabalho, o Departamento da Polícia Militar de Joanópolis estava repleto de policiais revoltados com o ocorrido, eles queriam, a todo custo, vingança contra Albert Einstein. Havia suspeita de que ele havia fugido do confronto na noite passada, alguns diziam que ele havia sido morto, os investigadores ainda estavam em ação, tentando provar se isso era de fato verdade ou não.
Luan passou pela calçada cheia de pessoas, alguns se diziam policiais, outros apenas concordavam com a insatisfação dos mesmos.

Eles queriam que a justiça fosse feita. Queriam que o criminoso que deixou Nazdan em coma fosse aprisionado, Luan não os culpava, pois ele próprio desejava o mesmo, porém, decidiu entrar no meio do povão visando alcançar a delegacia. Alguns policiais gritavam:

-Capitão, o Senhor está do nosso lado, não está?

 Pergunta idiota. É claro que ele estava. Eles haviam espancado um policial até que este estivesse quase morto, não havia motivos para ir contra os protestos, Luan apenas não se sentia disposto a se juntar a um grupo de insurgentes que faziam barulho demais.

Ao adentrar o departamento, Luan deparou-se com familiares dos criminosos presos, tentando conseguir comunicar-se com outros parentes, dizendo que irão defender os prisioneiros na corte nem que seja a última coisa que façam, apenas os homens de Albert Einstein importavam-se em pagar fiança, já que muitos destes eram meliantes de rua considerados “pé de chinelo”. Luan já tinha visto aquela cena centenas de vezes em sua carreira. Ele tentou acalmar alguns dos presentes, visando ajudar sua superior.

-Ninguém aqui está autorizado a ver nenhum dos prisioneiros, a liberdade deles depende da decisão do estado agora. Vocês terão tempo de conversar com eles em horários de visita, se alguém mais insistir será considerado cúmplice daquilo que eles são acusados, portanto sugiro que todos saiam imediatamente do meu gabinete!

As pessoas começaram a evacuar o distrito, grande parte delas reclamava, resmungava, e demonstrava total desaprovação quanto à atitude da mulher. Alguns começaram a chorar.

-Delegada... – Luan fitou os olhos escuros da oficial.

-Como passou de ontem para hoje, Capitão? – Perguntou a mulher, que se mostrou o mais cordial possível.

-Eu sinceramente estou tentando entender o que aconteceu ontem à noite, quando chegamos à porta do ferreiro e encontramos todos aqueles homens de terno baleados no chão, sem explicação nenhuma, juro que não faço ideia. Já pensei que poderia ser uma terceira facção envolvida, mas para isso eles teriam de...

-Teriam de? – Insistiu a Delegada.

-Sei lá, eles teriam de ser ninjas, ou alguma coisa do tipo...

Os dois riram por um instante.

-Bom, eu estou começando a achar que foi apenas uma pessoa, e que foi um sujeito de muita sorte, os prisioneiros estão comentando entre si a respeito de um vigilante mascarado, um homem negro vestido de verde e azul, mas eu estou sinceramente pensando em colocar nossos investigadores para ver esse tipo de assunto e... Bem... Falando no diabo...

Os policiais de fora da delegacia começaram a fazer tumulto, ouviam-se gritos de indignação, protestos, dois oficiais haviam chegado ao departamento, eles pareciam antagonizar os desejos dos protestantes em todos os aspectos. A delegada e o capitão da ROTA saíram visando descobrir o que acontecia.

-Mas que diabos está acontecendo aqui? –Falou a superior em tom de autoridade, os policiais pararam o que estavam fazendo, quando revelaram os dois renegados, que eram o motivo do tumulto.

Os dois permaneceram em silêncio, Jonna D’arc permaneceu em posição de quem exigia uma explicação.

-Delegada, esses dois aqui são os caras que estavam com o Nazdan quando ele foi mandado pra UTI!

-E existem centenas de relatos que dizem que os dois fugiram feito um bando de cães assustados quando o “negão” foi torturado, Jonna! Você tem que fazer alguma coisa a respeito deles! – Falou um dos policiais, seu nome era Silveira.

-Silveira, você sabe muito bem que nós não tivemos a chance de lutar contra os meliantes. Eles estavam fortemente armados! E juro que se alguém encostar a mão em mim novamente será reportado imediatamente!  - Falou o investigador Emir, um sujeito de cabelos castanhos, sobrancelhas escuras, dava a impressão de ser uma mistura entre latinos e norte-europeus. Tinha uma altura média, Um porte físico normal e uma expressão de poucos amigos.

Silveira por outro lado beirava os sessenta anos, gordo, branco, ostentava um bigode castanho e um cabelo ralo, cuja linha já chegava até metade de sua cabeça.

-Pois eu vou te mostrar como as coisas funcionam por aqui seu novato de mer...

-Já chega, Silveira! –Falou a Delegada.

Emir havia chegado à cidade há pouco tempo, foi transferido do distrito de Paulínia, um local com um índice criminal severamente mais reduzido que Joanópolis, o que deixou Emir devidamente mal-acostumado.

Luan (que possuía um aspecto mais jovem para a sua idade, magro, possuía olheiras e um cabelo castanho que, para um policial, precisava de um corte) observava tudo com expressão de apatia.  Tudo o que pensava era em Nazdan e em sua família, e em seu pobre filho Joel, o garoto sempre foi a criança mais indefesa do mundo, mal havia saído da adolescência e já teria de perder o pai.

-O que você tem a dizer a respeito disso, Renato? – Jonna indagou o terceiro investigador que estava no dia em que Nazdan havia sido espancado.

-Eu... Hã...  Só estou feliz de vocês não terem me enchido de porrada aqui... – Renato era também branco, mas possuía o cabelo escuro, usava óculos de aros brancos, possuía um semblante de quem temia por sua vida a todo instante, o típico covarde que deixaria o melhor amigo de Luan ser espancado até a morte.

Alguns dos policiais começaram a rir da resposta dada pelo segundo investigador.

-Vocês dois são ridículos! Pelamordedeus! – Falou Silveira

-Olha como fala comigo! – Falou Emir.

-Emir, você é cheio de não me toque!

-Renato, eu estou esperando você dar um pronunciamento, fiquei sabendo que você esteve responsável por investigar o paradeiro do Albert Einstein ontem. Vamos! Fale alguma coisa! – Insistiu Jonna Darc.

-Bem... A verdade é que eu e a minha equipe encontramos ele morto nas imediações do antigo ginásio na saída da Avenida Mario Ribeiro... E o que aconteceu foi que quebraram o pescoço dele...

Novamente houve um alvoroço, todos os policiais começaram a discutir, alguns sorriam e aplaudiam, outros parecia não acreditar no que ouviam.

-Delegada, o que você sugere? – Luan finalmente decidiu dar-se voz.

-Eu preciso ver isso com meus próprios olhos.

Chegando à cena do crime, eles presenciaram o corpo do criminoso mais perigoso de Joanópolis no chão, a marca do giz delineava-o, havia faixas da polícia impedindo o trânsito de civis na área de investigação, os especialistas já faziam análises do cenário. O local era uma intersecção de prédios pequenos, havia uma construção pública ao lado e um guindaste estava estacionado. Havia sangue por todos os lados, e o corpo de Alberto Everardo estava jogado sob uma escadaria.

-Bem, delegada... – Iniciou Renato

-Olha só pra esse filho da puta, mortinho da silva, dá até um orgasmo mental em vê-lo apodrecendo aí. – Interrompeu Silveira.

- Posso continuar Seu Silveira?

-Considere isso um pagamento por você ter deixado o negão na mão, mas já que você encontrou o Albert Einstein morto, eu vou deixar você falar o que quiser.

-Obrigado... Como eu ia dizendo... O agente de observação me disse que houve uma briga violenta nessa área, dois dos meliantes fugiram e o terceiro, nosso companheiro aqui, terminou morto. O guindaste foi utilizado para ferir um deles, que desmaiou durante o confronto mas levantou-se algum tempo depois e fugiu da cena do crime, Quem eles são? Nós apenas suspeitamos que um deles faça parte das organizações que estavam em confronto na noite passada.

-Mas que coisa, e eu suponho que o terceiro tenha matado Albert Einstein e fugido. Afinal este só pode ser um membro de uma terceira gangue.

-Acho muito possível, Delegada, pois ontem nós lidamos com dois grupos, mas parecia haver três em ação. – Terminou Luan.

-Pode ser o justiceiro do assalto à loja do posto São João que aconteceu dia 29. Isso saiu no jornal e tudo mais. Quando eles foram presos Eles começaram a comentar entre si que viram um sujeito negro de máscara, pelo visto ele foi o responsável pela batida entre o caminhão e o carro que eles tavam dirigindo. Mas se recusaram a comentar sobre isso, tão aguardando julgamento, talvez falem quando forem ao tribunal.  –Falou Silveira.

Luan Interveio.

-Eu acho muito difícil ser apenas uma pessoa, Silveira. O que aconteceu ontem foi o trabalho de uma milícia inteira.

-Eu não sei Luan, se você juntar as peças, pode haver uma conexão, podemos estar lidando com um arruaceiro ou com algum grupo deles. – Falou a Delegada.

-Arruaceiros batendo em bandidos? – Indagou Silveira.

-Então, suponho que agora nenhum de vocês vai querer nossas cabeças mais, não é verdade, seu Silveira? –Falou Renato.

-Eu fico muito feliz por esse filho duma puta ter morrido, mas isso não salva você e seu amiguinho Emir de serem dois covardes, Renato. –Respondeu Silveira.

-Renato, você e o Emir ainda não estão salvos. Eu vou criar uma força-tarefa pra invadir o esconderijo do Albert Einstein e pegar o resto dos meliantes que estão por lá. Vocês serão os nossos espias. Vocês irão monitorar as atividades do local até segunda ordem. Juro pra vocês que o trabalho de vocês dois nesse distrito está apenas começando.

Luan sentia-se devidamente vingado, era deliciosamente cruel saber que o maior criminoso de Joanópolis havia morrido pelas mãos de seja lá quem fosse. Tudo o que Luan precisava fazer agora era dirigir-se ao distrito, terminar de preencher os relatórios e depois capturar os criminosos restantes. Ele sabia que agora Joanópolis seria um local menos problemático graças a algum filho da mãe com uma mão muito boa para quebrar pescoços.

Mas Luan não era ingênuo, sabia que quando um criminoso morre outro sempre toma o seu lugar.
E quem melhor para tomar o lugar de Albert Einstein que seu próprio herdeiro? Albert Einstein Junior?  Luan já havia recebido notícias de suas atividades no narcotráfico e a partir de agora o jovenzinho poderia tornar-se o mais novo inimigo da polícia.

                                               ---

Depois de passarem horas conversando, Joel e Tomas conseguiram curar alguns dos ferimentos que o primeiro havia sofrido na noite passada em sua luta contra Cabeça de Azeitona. Tomas conseguiu estancar alguns dos inúmeros sangramentos que Joel possuía no rosto. Partes de seu corpo estavam endurecidas, o que ambos julgavam serem ossos quebrados. Tomas foi capaz de enfaixa-las na tentativa de manter o osso estável por algum tempo. Não era nenhum gesso ou outro utensílio medicinal eficaz, mas talvez ajudasse o herói a suportar a dor por alguns dias.

Joel de Aparecida entrou em casa e, para a sua sorte, descobriu que nenhum de seus parentes estava no local. Ele apressou-se em adentrar seu quarto, deitar-se na cama e em meio a sussurros e gemidos, conseguiu pegar no sono rapidamente.

Ao meio-dia, Joel foi acordado pelo próprio Tomas, que chegou com algumas notícias preocupantes.

-A polícia já tá sabendo do corpo do Albert Einstein.

-Eu... Não acredito... Eu tô Fodido!

Tomas permaneceu em silêncio.

-Tomas... Me diz que você fez alguma coisa pra me livrar dessa, pelo amor de Deus!

Joel voltou a sentir dores no corpo.

-Eles vão me achar, eles vão ver as impressões digitais no corpo do velho! No pescoço dele... Na cabeça! Sei lá! Aí vão me encontrar! Puta que o pariu como eu fui idiota! Como eu fui imbecil! Por que? Por que? Por que eu fui fazer isso?

À medida que a tensão nervosa de Joel aumentava, o estresse era refletido em seu já exaurido e machucado corpo, as dores de seus ferimentos aumentavam, ele sentia dores no estômago e em todas as partes de seu corpo, até que começou a sentir pressão na cabeça.

-Eu... Eu nunca devia ter feito isso! Olha só pra mim! Meu Deus do céu! O que foi que eu fiz? O que foi que eu fiz? Tomas! Cara! Por Favor! – Ele agarrou Tomas pela camisa enquanto babava sangue e liberava lágrimas. O suor escorria pelo seu rosto.

-Por favor, cara! Você tem que proteger a minha família! O Albert Einstein Junior vai descobrir e vai vir atrás de mim! Vai vir atrás da mamãe e do papai e vai matar todo mundo vai... vai ficar muito ruim, puta cara... cê tem que me ajudar...

Tomas permaneceu sério e baixou a cabeça.

-Por favor, cara. Por favor! Você... Cê não vai falar? Cê vai ficar quieto? Seu... Seu filho de uma...

Joel é impedido de falar por um soco vindo de Tomas.

-Não me resta nada... Não me resta nada...  – Falou Joel, lacrimejando.

-Pode até não te restar nada, mas você matou o homem que causava medo na população dessa porcaria de cidade, e você salvou a vida de uma mulher que não tinha nada a ver com uma guerra entre um bando de covardes! Você também salvou a vida de uma senhora com esquizofrenia por que você salvou a vida do filho dela, que era o único sujeito que podia dar o remédio dela, mesmo que este tenha sido um criminoso por grande parte da sua vida, você também salvou a vida de dois traficantes mesmo que eles não 
merecessem e recuperou a mercadoria roubada de uma loja... e você salvou a minha vida! Então... É... Não te resta nada, você tá numa situação bem ruim...

Ele parou por um instante.

-Mas se você parar agora, eu juro que vou virar as costas e não vou mais te ajudar! Por que o que você fez pode parecer pouco pra você, mas para aqueles que você ajudou representa uma vida inteira, por que foi exatamente isso que você salvou!

Joel encostou a cabeça no travesseiro, sua expressão ainda estava perturbada, Suas lágrimas corriam pelo seu rosto, seus olhos fecharam-se por um instante.

-E então, você vai desistir agora? Agora que você conseguiu tanta coisa? Vai ou não?

Joel não respondeu.

-Alguém precisa combater o crime em Joanópolis, Joel. E esse alguém é você! A polícia não resolveu o problema, você resolveu. Você é o herói que essa cidade precisa.

-Não o que ela merece... Sei... –Terminou Joel, sua expressão mudava gradativamente.

-Talvez eu não faça isso por querer, mas por uma necessidade... – Continuou.

-Mas não é a necessidade de combater o crime, é a necessidade de alimentar o meu ego. Eu sou um fracasso, Tomas...

-Como assim?

-Eu sou um fracasso, tipo... As minhas notas nunca foram boas, eu ainda não consegui me manter em uma boa faculdade, nunca arranjei um emprego bom tão pouco uma namorada ou sequer ficar com alguma garota. Eu não tenho nenhum talento. Eu sou pior que o Peter Parker por que eu não sou bom em ciências, cara... Eu tô fazendo isso por que eu sei que é a única coisa que pode trazer emoção à minha vida medíocre.

Tomas pensou por um instante.

-Sabe...

Ele olhou Joel.

-Eu também sou assim, a diferença é que costumo fumar umas “brisolas” de vez em quando. Sabe to cansado dessa vida de merda que tenho. Tipo, acho que vou virar o teu oráculo ou coisa parecida.

A conversa entre os dois foi interrompida pela campainha da casa em que Joel morava.

Tomas foi atendê-la e viu que era a Delegada Jonna Darc, e apenas mandou que Joel permanecesse quieto.

Joel permaneceu em silêncio, envolveu-se até o pescoço com um cobertor encardido, rezou, acreditava que havia um Deus ao seu lado, que já o havia livrado da morte várias vezes e que poderia salvá-lo novamente de problemas, ele perguntava-se até quando poderia testar a boa vontade desse Deus.

Tomas voltou acompanhado, a Delegada veio com ele.

-Olá Joel.

Joel engoliu em seco, novamente sentiu as dores de seu corpo latejarem, sentiu uma pressão na nuca, ele acreditava que estava sendo gerada pela ausência de sangue em seu corpo. A delegada percebeu que ele estava atônito.

-Fique calmo, rapaz, sei que está sendo difícil para você.

-O... O que? – Perguntou o jovem.

-Seu pai está no hospital, as coisas estão difíceis, sei disso. Escute, eu venho em nome de todo o distrito que trabalha com o seu pai, dizer para você que nós estamos sentindo por você, pela sua mãe e pelos seus dois irmãos, ok?

-O... Obrigado... – Joel fitou Tomas.

-Eu também já passei por maus bocados, meu filho de sete anos já teve uma arma apontada para sua própria cabeça. E, por incrível que pareça, o criminoso ainda está à solta e, ah, eu me esqueci de dizer que... Alguém que ainda não foi identificado matou o sujeito que fez isso com o seu pai.

Por um momento Joel permaneceu sério, mas alguns segundos depois tentou esboçar um sorriso visando enganar a Delegada. Talvez uma expressão de regozijo desse uma impressão mais autêntica de que ele não tinha nada a ver com o assunto.

-Ele teve o que mereceu, o cretino.

Quase que imediatamente a Delegada se levantou e mandou que o jovem negro cuidasse dos ferimentos que tinha no rosto, e avisou que seu nariz parecia inchado e que ela “manteria contato” Joel não sabia se ela suspeitava ou se já haviam pego amostras de seu dna no corpo de Albert Einstein, ela parecia não se importar por hora.

                                                                 ---

Quando Rafael acordou ele viu sua mão envolta por esparadrapos, com uma agulha enfiada em sua mão direita, sentia uma dor tremenda, pois o soro que havia sido injetado em sua veia havia acabado e sua veia estava prestes a estourar, não havia sinal de enfermeiros, mas havia outros pacientes em macas próximas à dele. Alguns gemiam de dor, outros tinham ferimentos ou tumores expostos, ele sentia um cheiro pútrido de coisas que ele não gostaria de imaginar o que fossem. Parecia ter acordado de um sonho para um pesadelo, mas não. Ele simplesmente estava em um hospital público.

Não demorou muito para que uma enfermeira morena e levemente atraente e chamasse pelo seu nome. Ela trocou o pacote com o soro e falou:

-Isso é para você ficar calmo.

Rafael tentou movimentar-se mas parecia que seu corpo não respondia mais da maneira que costumava, parecia ter dificuldade para mover as pernas, pensou no pior e indagou à mulher. Ela respondeu:

-O médico vai dizer o seu diagnóstico.

-Como é? Eu nem sei o que aconteceu! Eu...

-Fique calmo, se você ficar nervoso as coisas só vão piorar.

Ela saiu e deixou o homem lá, acompanhado pelos demais pacientes, porém completamente só, isolado do mundo, petrificado.

Algumas horas depois Rafael recebeu a notícia de que ele havia levado uma lesão que havia afetado seu sistema nervoso e que ele havia perdido o movimento das pernas. A partir de agora apenas a ajuda de fisioterapia iriam ajuda-lo.

Ele lembrou-se de tudo o que havia acontecido alguns dias atrás e lembrou de quando um homem mascarado o havia baleado, ele também se lembrou da vida que ele próprio levava, era um traficante e provavelmente sairia do hospital para a cadeia. A sina de um criminoso era ser abandonado por Deus e pela sociedade, e Rafael a havia sofrido antes de completar dezenove anos de idade.

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Dia 3 de Janeiro de 2013.

Era dia de Prova de Recuperação no colégio Genival de Freitas em Sampa, Joel já havia se recuperado de alguns de seus ferimentos, ainda sentia dor nas costelas, mas ele não poderia deixar de perder a oportunidade de lidar com Albert Einstein Junior novamente. Ele sabia que o sujeito estaria na escola e pretendia encontra-lo, nem que fosse para monitorá-lo.

O colégio estava vazio, havia poucos alunos, já que a escola estava em época de férias para a maior parte dos que estudaram, a verdade era que grande parte dos alunos que não passavam de ano no colégio público Geníval de Freitas eram em sua maior parte criminosos, sendo que a maior parte dos alunos eram moradores de vilas pobres como Joanópolis. Aqueles que não se dedicavam aos estudos eram os que praticamente mandavam na escola, não se importavam com suas notas, pois o que importava era que iriam terminar passando de ano de qualquer maneira, graças a ameaças vindas de seus pais ou deles próprios, já que alguns poderiam invadir a escola e fazer os professores e diretores de reféns a qualquer instante. E a verdade era que o corpo docente os deixava passar mesmo sem ameaças de qualquer maneira.

Joel, mesmo tendo dezenove anos, ainda estava no primeiro ano do segundo grau, e não dava a mínima para tanto, seu estímulo para estuda já havia há muito sido abandonado. Agora a única coisa que ele possuía era o gosto pela leitura de revistas em quadrinhos, e por alguns livros de ficção ou de história em geral, ele falava e escrevia perfeitamente bem para um jovem de sua idade, com o nível de ensino que possuía, e com o nível de renda que seu pai recebia com o emprego que possuía no distrito policial. Mas em uma determinada época de sua vida, perdeu o gosto pelos estudos e decidiu render-se ao seu vício em gibis.
Joel não olhava para as garotas e elas não olhavam para ele e para ele as coisas pareciam ser normais assim.

Ele decidiu permanecer sentado a sós em um dos bancos enferrujados enquanto alguns adolescentes de treze e quatorze anos de idade (todos pareciam ser maiores e mais velhos que ele.) faziam algazarra entre si visando chamar a atenção de sabe-se lá quem. Quando viu Rafael chegando de cadeira de rodas, ao seu lado vinha Estevão, o outro traficante de algumas noites atrás.

Joel já suspeitava que alguma hora presenciaria aquela cena, ele havia baleado Rafael algumas noites atrás, agora estava arcando com as consequências. E Rafael, o sujeito negro, careca, outrora muscular e altivo, agora parecia mais franzino, estava cabisbaixo, seu olhar distante. Estevão, o sujeito pardo, com o cabelo encostando-se ao ombro, magro, alto, sempre vestindo casacos pesados, e a temperatura esta propícia neste dia.

Eles notaram Joel, porém, propositalmente o ignoraram. Os poucos alunos que estavam presentes no local, juntaram-se ao redor de ambos, todos, garotos e garotas, faziam condescendências e palavras sentimentais aos dois. Joel perguntou-se se haveria tanto afeto assim caso algo parecido acontecesse com ele. Mas o que mais o preocupava era se Estevão revelaria sua identidade ao mundo.

O fato de Joel agora ter sido abençoado com os poderes de um grande herói, ou pelo menos com a coragem de um. Lembrou-o de alguns anos atrás quando estava entrando na adolescência, ele lembrou-se que Rafael e Estevão fizeram parte dela e eles costumeiramente o defendiam contra garotos maiores e mais fortes que gostavam de agredi-lo sem motivo nenhum.

Joel sempre fora aquele pivete negro com cabelo meio afro, óculos fundo de garrafa, que se vestia com suspensórios e calça colada. Joel vivia fingindo estar em mundos de fantasia, onde ele era um grande herói que salvava garotas indefesas, mesmo que aqueles que andavam acompanhados de belas garotas fossem outros. E isso era estranho para os demais, que tinham outros interesses em mente, e por consequência gostavam de atormentá-lo por  disso, dizendo que ele era um maluco que nunca deveria sair de casa.

Alguns decidiam praticar violência física em Joel. Rafael e Estevão o protegiam, não por que gostavam de andar com ele, mas por que ele parecia patético demais e queriam provar para suas próprias garotas que poderiam defender um garoto que era visivelmente perturbado.



Suas memórias foram interrompidas por um som abrupto de um portão de aço se abrindo. Era albert Einstein Junior e seus comparsas Marrom, Têjota e Branquelo, que haviam entrado no colégio.

O sistema de segurança do colégio não era devidamente eficaz, portanto eles andaram livremente.

Eles foram até Rafael e Estevão, o grupo de alunos que estava ao redor de ambos logo se esvaiu.

Junior fez questão de jogar Rafael no chão, mas seu verdadeiro alvo era Estevão.

-Eu vou acabar com você! – Gritou ao pardo cabeludo.

Junior socou Estevão fazendo com que o sangue deste espirrasse para longe.

Sem nenhuma arma em mãos Junior não foi capaz de matar estevão na hora, mas conseguiu feri-lo com alguns socos em seu estômago. Este apenas recebia os golpes e não revidava.

Foi quando Joel decidiu intervir. Ele correu e empurrou Junior com todas as forças. Marrom, Branquelo e Têjota entraram na briga.

Joel socou Junior na cara antes que fosse agarrado por Marrom e Branquelo.

Joel decidiu dar uma cotovelada em Marrom, este caiu ao chão.

-Não pode ser! De novo não! – Gritou Junior, olhando para Joel.

Foi quando Joel finalmente notou o erro que estava cometendo, ele estava revelando sua identidade ao adversário.

-O que você tá fazendo, seu pivete? Você quer morrer, nerd? – Gritou Marrom, sentindo a dor no estômago.

Joel deixou-se levar pelos golpes de Junior e dos demais. Eles quebraram seus óculos, socaram seu rosto, arrancaram sangue de sua boca, abriram ferimentos em seus braços, pernas e barriga. Suas costelas e seus órgãos internos doeram mais do que nunca.

Vários professores e seguranças do colégio haviam sido acionados, eles atacaram Junior e os demais, porém os quatro conseguiram escapar e fugiram pelo mesmo portão que abriram.

                                                                           ---

Joel perdeu a consciência. Quando deu-se por si ele viu o rosto dócil de sua mãe, mas não era uma expressão de contentamento.

-O que foi que aconteceu, meu Deus do céu?

A mãe de Joel, Edileuza, uma mulher negra, moderadamente magra, possuía o cabelo estilo “channel” encostando-se à nuca, usando um vestido. Ela era devidamente super protetora com os filhos, já que não poderia sê-lo com seu próprio marido, ela descontava sua maior insegurança nos filhos. E talvez fosse por isso que Joel fosse um jovem tão fechado quanto a relacionamentos com pessoas da idade dele, mas ela não parecia se importar, o que mais importava para ela era a segurança dos filhos.

-Você só pode ter enlouquecido! Eu já tenho que lidar com o seu pai todo machucado no hospital e agora tenho de lidar com você se envolvendo com brigas na escola, meu filho do céu! Você já tem dezenove anos! Você não tem idade para andar por aí se envolvendo em brigas, o que você tem na cabeça, Joel?

Joel fitou o rosto de sua irmã, Miriam, que apenas ouvia tudo com expressão de quem concordava. Uma garota de vinte e cinco anos de idade, pele escura, cabelo com progressiva preso para trás, usando camiseta azul e calça jeans, ela importava-se demasiadamente para uma irmã mais velha, estava sempre preocupada com o que o irmão caçula fazia ou deixava de fazer, sempre tentava, com o pouco dinheiro que possuía, dar-lhe presentes em seu aniversário, e o que conseguia eram revistas em quadrinhos de super-heróis velhas que ela comprava em sebos já que as das bancas estavam começando a ficar demasiadamente caras, para Joel isso era mais que o suficiente. Vê-lo em uma situação como essa era devastador para ela.

-Onde... Onde é que eu estou?

-Na enfermaria do colégio. Nós estamos indo para casa no carro do seu irmão, ele está esperando a gente lá fora.  – Falou Edileuza.

-Bom, então vamos...

-Que nada! Antes você vai me explicar o que aconteceu para você estar neste estado!
-Eles... Eram muitos... Não deu pra vencer todos.

-Meu Deus do céu, Joel, por que você não toma juízo da próxima vez? Eu conversei com o diretor da escola e ele me disse que você defendeu um colega seu de um valentão, foi isso?

-Dizem que o “valentão” escapou. – Falou Miriam.

-Ele é... Ele é traficante...- Falou Joel.

-Ele é traficante? – Edileuza pareceu surpresa.

-Mãe, essa escola é o diabo... Ela é cheia desses bandidinhos que fazem o que querem. Eu ouvi um dos moleques que estavam na briga e ele disse que o cara que bateu no Joel anda armado pra lá e pra cá. – Miriam tentou intrometer-se na estória.

-Pois eu vou tirar esse garoto dessa escola imediatamente!

-Eu acho justo, lembra de quando eu estudei aqui e o quão difícil era lidar com as pessoas por que todo mundo vivia fazendo ameaças?

 -Joel, você não tá se envolvendo com esse tipo de coisa, tá?

-Claro que não, mãe! A minha vida é ler gibis!

É claro que Joel não se envolvia com drogas ou com armas, mas ele obviamente iria enfiar a cara no submundo de Joanópolis uma hora ou outra. Por que essa era a sua sina, esse era o seu destino e era isso que ele gostava.

                                                                         ---

Quando Creepy conseguiu um emprego, que todos diziam ser uma atividade criminosa (mas para ele era apenas um “apoio aos necessitados”.) Como vendedor de drogas em uma casinha que ele chamava de lar, Que ficava em uma área isolada em um matagal em um dos morros de Joanópolis, Creepy conseguiu status e respeito entre vários membros da comunidade Punk, ele até mesmo conseguiu contrato com uma gravadora que prometeu gravar-lhe um álbum com as músicas que ele e sua banda fizeram. Creepy criou um espaço em sua “casinha” onde vários adeptos do movimento punk, iam para consumir um pouco de ácido e ouvir as músicas que ele e seus amigos, membros de sua banda, tocavam. É óbvio que eles também tocavam "covers" de outras bandas como Rancid e Ramones.

A “casinha” de Creepy era um lugar interessante: Varias pessoas iam por vários motivos. Para fazer sexo dentro dos banheiros, consumir drogas lobotomizantes e ouvir música pesada, até o fatídico dia em que Creepy descobriu que seu fornecedor havia sido morto pelas mãos de um vigilante sanguinário. E que agora quem iria assumir o poder era seu filho, um sujeito conhecido como Albert Einstein Junior.

Certo dia, Junior bate à porta da “casinha” no meio do nada de Creepy. Este decide atende-la, já que Creepy sabe que Junior está apenas trazendo mais um carregamento de algumas drogas interessantes como LSD ou a famosa Rock’n’Rolla, Uma de suas preferidas.

Porém, Creepy é recebido com um tiro na testa, um alvoroço toma conta do local, várias pessoas saem correndo assustadas, várias outras são baleadas por tentarem reagir.

Creepy é morto por que além de ser um péssimo vendedor de drogas, também consumia a mercadoria, e isso era inaceitável para Junior.

Quem assume o lugar de Creepy é Branquelo, ele agora é responsável pelo tráfico de LSD e outras drogas alucinógenas.

Branquelo toma posse de algumas armas adquiridas com os “punks” que haviam reagido e Marrom consegue algumas facas com outros, ele não poderia estar mais feliz. Junior e Têjota continuam com suas próprias pistolas.

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Juninho é o que poderiam chamar de baixinho invocado. Aos 14 anos, ele já matou, já roubou, já estuprou. Mas também já levou tiro, já foi roubado e até estuprado.

E graças a esses quatro reveses ele passa seus dias na Terra olhando as pessoas com cara de poucos amigos e atirando nelas pelos pés para assustá-las com sua colt e fazê-las submeterem-se à sua cruel vontade.

Desde criança, ou seja, há alguns meses atrás, Juninho foi abusado pelo pai, estuprado pelo tio, apanhou do avô, roubado pelas tias e ignorado pela avó.

A única pessoa que lhe dava afeto era sua mãe. Ah, a mãe de Juninho, grande e nobre rainha, sempre disposta a fazer de tudo para ele, sempre ali para apoiá-lo, sempre dando tudo do melhor para ele.
É uma pena que há um ano um traficante estava vendendo drogas para seu irmão mais velho e este, como não pagou, virou alvo, e quando o traficante foi acertá-lo com uma metralhadora, acabou acertando a mãe de Juninho. E lá se foi, em um banho de sangue, a mamãe do Juninho.

Juninho chorou pela primeira vez feito um bebê, coisa que ele quase é. Então ele juntou um grupo de amigos, que não faziam nada além de vandalismo, roubou uma Colt do seu avô e tentou matar o traficante. A primeira vez não deu certo por que, como ele estava com apenas uma arma e, subiu num prédio, mirou no traficante e nos seus comparsas que estavam saindo de uma joalheria, local onde o traficante estava dando um presente para sua namorada grávida, e ele acabou acertando a namorada.

Na segunda vez ele conseguiu roubar uma segunda arma, do pai dele, uma espingarda para caçar passarinhos. E não deu certo por que a bala da espingarda não era letal e deixou o traficante aleijado. As balas da Colt apenas acertaram os homens do traficante.

Mas na terceira vez, como o traficante estava todo machucado e seus comparsas estavam sem apoio moral ele conseguiu matar o traficante a facadas enquanto este dormia um sono profundo durante à noite em seu esconderijo.

E assim o esconderijo do traficante virou o esconderijo do Juninho! E os homens do traficante viraram os homens do Juninho! E as pessoas que tinham medo do traficante agora têm medo do Juninho! E o fornecedor do traficante virou o fornecedor do Juninho!

E assim Juninho começou a vender drogas como Cocaína e ai de quem não pagasse!

Mas o fornecedor de Juninho morreu! E Todos disseram que foi um homem de máscara o autor!

E Juninho já sabia que uma das bocas de fumo aliadas já havia sido tomada pelo herdeiro de seu fornecedor.

Sendo assim, Juninho  decidiu armar seus homens e preparar-se para um embate contra o tal “valentão” que queria tomar sua boca de fumo.

O esconderijo de Juninho localizava-se algumas quadras depois da área em que ficava a boca de fumo de Creepy. Ambos ficavam em uma área gramada.

Albert Einstein Junior também possuía seus truques na manga. Ele mandou dois de seus homens (Têjota e Branquelo) atacassem com as pistolas, que haviam conseguido com os homens de Creepy, por trás do estabelecimento enquanto o líder e Marrom atacavam pela frente.

O tiroteio deu-se início.

Os homens de Juninho caíam a todo instante, eles eram baleados e feridos pelos dois que vinham por trás e pelos tiros de Junior que vinha pela frente, Marrom parecia permanecer imóvel.

Junior conseguia mirar e acertar cada um dos soldados do adversário com maestria, era quase impossível tirasse a cabeça de sua proteção sem ser baleado em pontos vitais.

Um dos homens de Juninho levantou-se de uma pilha de pneus jogados, com uma metralhadora, começou a atirar na direção de Têjota e Branquelo. Junior segurou uma pistola estilo Taurus 40, fechou um dos olhos e mirou na cabeça do adversário. A bala saiu de dentro do cano da pistola, passou riscando o ar e entrou no crânio do sujeito espirrando sangue por todos os lados.

Ao ver aquilo e a si mesmo sem chances de escapar, Juninho decidiu render-se. E ele o fez de maneira humilhante, ajoelhando-se e pedindo perdão!

Mas é claro que o Junior mais velho não iria deixar barato, chamou um sujeito que não batia bem da cabeça, Marrom, que até o momento estava quieto, este pulou em cima do Juninho e matou-o a facadas, da mesma maneira que este havia matado o assassino de sua mãe. E o ciclo havia se cumprido.

Marrom tomou o lugar de Juninho, os homens de Juninho, que sobreviveram viraram os homens de Marrom, e Juninho morreu por que ele era um tremendo de um filho da puta!

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Jonas Fernando, mais conhecido como Maguila Jr. Foi um grande boxeador de Joanópolis, ele havia vencido os campeonatos regionais com esforço e dedicação. Todas as academias de Joanópolis o queriam como seu “garoto propaganda’.

O que muitos não sabiam era que Jonas utilizava drogas para melhorar o desempenho em seus treinos, drogas que ele havia conseguido com alguns traficantes amigos seus em regiões mais altas em Joanópolis.
Os anabolizantes que Jonas comprava permitiam não apenas que sua energia e disposição aumentassem, mas também aumentavam e davam mais consistência à sua musculatura.

O local onde ele comprava era um loja de suplementos clandestina localizada na região campestre de Joanópolis, um local gramado com apenas colinas, próxima de uma casa de shows e de um depósito abandonado, havia boatos de que ambos fossem bocas de fumo.

O sujeito que lhe vendia os anabolizantes era um amigo de infância seu, seu nome era Jean.
A vida era uma maravilha para Jonas até que um dia seus truques foram descobertos e sua carreira desmoronou ante seus olhos.

Ao invés de tentar viver a vida honestamente, Jonas, como o sujeito que tentava sempre viver a vida por caminhos mais fáceis, foi tentar ingressar no tráfico de drogas, e associou-se a seu amigo Jean. Jonas possuía conhecimentos sobre a droga que quase ninguém possuía, ele era um especialista no assunto, sabia de tudo, seus benefícios e malefícios e ganhava bem por isso.

A vida novamente ia bem para o grande Maguila Jr. e seu amigo Jean até o dia em que traficantes de narcóticos da região decidiram iniciar negociações com Jean por baixo dos panos. Jean agora comercializava alguns narcóticos em sua loja, as pessoas não pediam mais “a droga” esperando por algo que fosse aperfeiçoar seu desempenho nos esportes, mas sim por algo que fosse deixar seu cérebro entorpecido.

A maneira que Jonas descobriu isso foi a mais dolorosa possível. Jean começou a consumir os narcóticos, a venda de anabolizantes começou a decair pelo péssimo desempenho que ele demonstrava graças ao consumo de outras drogas e ele não pôde mais pagar o fornecimento dos entorpecentes, sendo assim acabou sendo morto por uma rajada de metralhadora vinda dos traficantes.

Jonas enlouqueceu, não os levou às autoridades por medo de ser pego por ele próprio ser vendedor de drogas ilícitas, mas fez justiça com as próprias mãos. Conseguiu duas AR-15 com um fornecedor de armas local e atacou o esconderijo dos meliantes. Matou sete homens sozinho e tomou posse de sua boca de fumo.

O Grande Maguila Jr. Poderia ter abandonado tudo e ido viver uma vida normal, mas ele queria mais. Sua vida não estava completa até que estivesse completamente destruída.

Jonas pegou todo o material que os traficantes possuíam e o levou até sua loja de suplementos.
O local agora havia se tornado um ponto de vendas de drogas de todos os tipos. Quem entrasse pelas portas dos fundos poderia se saciar com todo tipo delas.

Mas havia um porém, alguns anos depois o fornecedor havia sido morto por um justiceiro. Jonas não se surpreendeu, já que ele próprio era um.

O problema foi seu herdeiro, cujo qual estava tomando posse das bocas de fumo da região e matando seus líderes.

No dia em que soube da investida de Albert Einstein Junior ele foi para sua loja, trancou tudo e esperou pelo pior.

Quando chegaram, eles já eram numerosos. A gangue de Junior crescia a cada dia que passava, seus homens, cada vez mais armados e preparados para assassinar qualquer um que entrasse em seu caminho. Eles cercaram a loja e começaram a bater na vitrine com as coronhas de suas armas. Os vidros começaram a rachar até que estiveram completamente quebrados.

Eles entraram e começaram a metralhar qualquer um que aparecesse à sua frente.

-Eu quero o Maguila Jr. Me dêem o Maguila Jr.! – Gritava Albert Einstein Junior.

Os soldados de Jonas revidaram e foram atingidos, um a um, pelos “pipocos” vindos das pistolas de Junior. Que agora eram estilo Sig Sauer P229, cada um era friamente atingido na cabeça.

Um dos homens de Maguila, negro, sem camisa, extremamente magro, com uma bermuda jeans detentora de correntes e demais apetrechos foi mais corajoso e decidiu usar uma espingarda e ferir alguns homens de Junior, ele abateu alguns dos adversários até que recebeu uma bala vinda do próprio Junior. Quando seus comparsas viram seu cadáver, eles notaram que ele havia sido atingido diretamente no olho esquerdo.
Quando Maguila foi cercado, ele foi desarmado.

-Você vai agir feito um covarde, guri? Vai me matar dessa maneira? – Falou altivo, era um sujeito mulato, grande, careca. Junior era pequeno, magro e cabeludo comparado a ele.

Junior não demorou um segundo até que ordenasse que atirassem no gorila, e o entupissem de balas. Em menos de cinco segundos, este estava no chão, todo ensanguentado.

Maguila Jr. havia morrido por que era um sujeito grande demais, caso resolvesse rebelar-se contra Albert Junior e os demais, poderia causar problemas caso algum de seus homens estivesse desarmado. Junior pensava isso em sua mente doentia e meticulosa.

Quem assumiu o lugar de Maguila foi Têjota.

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Dia 4 de Janeiro de 2013.

Ontem havia sido o dia de levar uma surra de meliantes como o pobre e indefeso Joel de Aparecida, mas hoje era o grande dia de sair por aí e combater o crime como Rider!

O momento finalmente havia chegado! Joel iria novamente vestir a roupa de Rider e fazer uma ronda pelas ruas da cidade!  Ele estava devidamente recuperado dos ferimentos que havia sofrido nos dias anteriores, pelo menos o suficiente para sobreviver a mais um espancamento, caso sofresse-o.

Ele tinha créditos em seu celular, pois em qualquer emergência, poderia ligar para seu fiel escudeiro Tomas e possuía novas e misteriosas bugigangas que estavam prontas para serem utilizadas em criminosos!

Ele vestiu o uniforme. O boné, máscara, luvas de motoqueiro e casaco verdes, a calça jeans azul encardida com cinto preso, a camiseta branca com o sol estampado no peito, o par de tênis amarelos, e as proteções para os cotovelos e para os joelhos. Desceu o morro de bicicleta, sentiu o vento batendo sob seu rosto mascarado,  a emoção de pedalar a toda velocidade era algo impagável fosse super-herói ou não.

Rider cruzou uma esquina, duas, sentiu uma brisa leve refrescar seu rosto, o dia estava levemente frio graças a nuvens no céu, mas ainda estava longe do frio invernal de junho.

Depois de algumas horas rondando pela cidade de Sampa, de olhares desconfiados e curiosos, Rider encontrou aquilo que procurava.

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Silveira era um dos policiais que mais reclamava de sua situação no décimo distrito de Joanópolis, ele estava velho e seu salário era baixo, pois ele ainda estava em uma posição relativamente baixa para o seu gosto. Ele era um homem devidamente honesto, mas já estava farto de dar “murros em pontas de facas” em seu trabalho, de se sacrificar e de não receber nada em troca.

Essa era a vida de um policial como Silveira, ele recebia pouco, trabalhava como um camelo arriscava sua vida diariamente, estava devidamente inconformado.

E ainda havia caras como Emir, que nunca haviam na pele o estresse do dia a dia de uma delegacia como a de Joanópolis. E devido a isso, andavam como se fossem um bando de intocáveis. Emir mal perdia por esperar, pois o que ele veria em Joanópolis, seria diferente de qualquer lugar em que ele esteve.

Ao chegar à delegacia, Silveira conversou com a delegada e tentou  aquilo que tentava ao menos uma vez por mês: que ela lhe desse uma aposentadoria. Ela encaminhou-o a uma corregedora que poderia resolver o assunto.

-Aqui está dizendo que você tem 26 anos de carreira e que ainda está no cargo de capitão das forças civis, estou certa, senhor... Silveira?

-Sim, e eu já tenho mais de 60 anos de idade, o que indica que eu posso retirar a prévia para a aposentadoria.

Ela fez as analises em seu computador e depois de longos e tortuosos minutos concluiu:

-Olha, está dizendo aqui que você passou três anos fora do serviço por causa de uma paralisia na perna direita, que foi adquirida graças ao fato de que você foi baleado, estou certa? Escute, isso aconteceu durante o seu tempo de serviço?

Silveira ficou surpreso com a frieza da mulher, ela parecia ter quarenta anos de idade, cabelos avermelhados e levemente ondulados, óculos de aros pretos e roupas brancas, seu crachá dizia o nome Silvana.

-Escute... Silvana... Você tem que entender, eu fui baleado em uma época em que eu não estava prestando serviço, eu estava de férias no interior de Minas Gerais, na casa de um parente meu, foi quando eu descobri que a filha de dezessete anos de uma amiga minha foi ameaçada por um pivete com um revolver, eu, ao ver aquilo pensei que pude reagir, mas não tive sorte, ele me acertou na perna e assim tive que passar três anos longe do serviço.

É uma história comovente, e fico feliz de saber que já está recuperado, mas infelizmente eu não posso te dar sua aposentadoria, Silveira, você não tem o tempo previsto de serviço, você pode estar na polícia há mais de 25 anos, mas o total de tempo que você tem aqui não dá tudo isso. Então eu infelizmente não posso concedê-lo sua aposentadoria.

-Mas esse tempo que passei fora não pode ser considerado acidente de trabalho?

-Pois é exatamente o que eu lhe disse, esse acidente não ocorreu durante seu tempo de trabalho, devido a isso, eu não posso adicioná-lo ao seu percurso médico aqui no distrito de Joanópolis.

Silveira sentiu raiva.

-Isso não existia há alguns anos atrás.

-São as leis que o governo tem estabelecido recentemente...

-Pois eu acho que você devia ter menos frieza sua... Sua... – Gritou.

Ele levantou-se e foi embora.

O que Silveira não havia contado à Silvana era que a filha de sua amiga estava envolvida com drogas e não havia pago o que devia, e que essa tal “amiga” na verdade era uma namorada que ele possuía em outro estado. E que ambas poderiam ser levadas à justiça, já que uma sabia que a outra estava consumindo drogas e que a outra tinha um relacionamento amoroso com um dos traficantes que ameaçaram e balearam Silveira, pois fora ele quem tivera de salvá-la quando ela não tinha mais dinheiro para pagá-los, e o amado de sua “enteada” simplesmente a havia abandonado e a ignorava sem motivo aparente nenhum.

Silveira agora sentia ódio não apenas daquela mulher que o havia impedido de conseguir sua aposentadoria, mas das circunstâncias em si, tudo por causa de uma maldita bala que ele havia recebido na perna, agora não poderia ter seu merecido descanso, tudo por causa de um bando de pivetes que ganhavam a vida de maneira desonesta, completamente diferente do estilo de vida que ele levava. Tudo por causa de uma adolescente como a filha de sua namorada, que se drogava até não poder mais e de seu amiguinho traficante.

Silveira foi convocado a fazer uma ronda pelas ruas de Sampa, algumas ruas próximas da Vila Jôanópolis.
A culpa era sempre de todos, todos menos de sua própria imprudência. Afinal, Silveira era um homem honesto, ele vivia a vida como quem acreditava no sistema, e como quem sabia que as coisas no final iriam se encaixar. Mas o governo corrupto em que ele vivia apenas queria que ele continuasse a trabalhar e a ganhar uma “mixaria”, fazendo leis que nunca beneficiavam ninguém além dos “poderosos”.
Silveira não tinha outra escolha senão continuar trabalhando. Ele pegou sua viatura e fez sua ronda diária. Passou por algumas partes movimentadas da cidade até cruzar partes mais desertas. Foi quando ele presenciou uma situação inusitada.

                                                                                   ---

Uma mulher gorda de cabelos castanhos estava andando pela rua, ela usava roupas caras e uma bolsa luxuosa. Ela passava à frente de um Cartório Eleitoral Alguns vendedores de pipoca e amendoim e plastificadores de identidade e carteiras de eleitor observavam-na de longe, ela chamava atenção por ser uma mulher grande com roupas luxuosas em plena manhã.  

Um garoto pardo, de menos de dez anos de idade, a observa como um predador observa sua caça. Ele olha para a bolsa brilhante e imagina a quantidade de dinheiro e cartões de crédito ele pode roubar ali. Então, ele se esconde atrás de arbustos, de árvores, das paredes de alguns prédios, persegue-a e aguarda o momento de atacar.

Seu nome é Jeremias, ele comeu um pedaço de pão com manteiga pela manhã, não tomou o leite por que não o tinha. Foi o suficiente para dar-lhe energia para correr o quanto pudesse em mais uma ronda de seus roubos que cometia semanalmente em várias regiões de Sampa. Jeremias é um pobre coitado, mal tem o que comer e está garantindo seu direito como “cidadão decente na sociedade”.

O dinheiro dos assaltos passados havia acabado em balas, chocolates, salgadinhos,  cigarros (o garoto já fumava.) portanto, ele precisava de uma nova leva. Estudar, como seu irmão mais velho fazia, jamais. Isso era coisa de pessoas conhecidas como otários. Jeremias não era um deles. Sua mãe, que havia se separado do pai (ele havia morrido em um tiroteio entre traficantes em Joanópolis alguns anos depois de Jeremias nascer) mal suspeitava que o garoto conseguisse dinheiro com roubos de carteiras e achava que ele estava na escola há essas horas.

Enquanto isso, Jeremias garantia seu futuro. Se ele consistia em ir para o túmulo cedo demais ou não, isso ainda era incerto.

No exato segundo em que a mulher vira a esquina é a hora em que o garoto corre com todas as suas forças e, passando como um jato, arranca a bolsa da mulher, atravessa a rua e some, correndo tão rápido quanto um guepardo atrás de sua presa, os carros dão partida e sua perseguição se torna impossível.
Tudo o que a mulher faz é gritar desesperadamente, após alguns minutos ela vê uma figura vestida de verde e azul, montada em uma bicicleta, passar rasgando o ar por ela, ele desvia dos carros com maestria.
Rider pedalava com velocidade, andar de bicicleta sempre foi um grande prazer para ele, e agora ele poderia combinar duas coisas que gostava em uma.

Ao alcançar Jeremias, Rider dá um chute no garoto, fazendo-o cair ao chão, que se abre e despeja tudo o que tem dentro para fora. Várias pessoas começaram a olhar para aquilo, algumas começaram a tirar fotos com celulares, parecia que pela primeira vez, Rider estava sendo visto em público. Ele agarrou o guri pelo colarinho.

-Nove horas da manhã, é hora de menino estar na escola.

Rider tentou dar uma entrada triunfal, mas para a sua surpresa, várias pessoas o olharam com reprovação, algumas pegavam as coisas que haviam na bolsa da mulher, para roubá-las em segredo ou para devolvê-las.

-Solta ele, garoto.

Rider virou-se para ver um policial gordo de bigode, com os cabelos parcialmente calvos, parecia ter sessenta anos de idade, ele apontava uma arma ao justiceiro.

-Meu Deus do céu! As Minhas coisas! Pegaram as Minhas coisas! A mulher gorda vinha correndo, balançando as “banhas’. – Ah, que bom que tem um policial aqui! Pode prender esses dois bandidos!

-Peraí dona, eu to ajudando a prender ele! – Falou Rider.

-É a sua palavra contra a dela, e aí, o que vai ser meu jovem? – Falou o policial.
Rider esperou que alguém  em meio ao grupo de pessoas crescente fosse se manifestar, ninguém falou nada.

-Ah, meu Deus, olha o que fizeram com as minhas coisas! Esses moleques de rua que ficam brigando entre si! Olha o que fizeram! Graças a essas brigas alguém pegou minha carteira com todos os meus cartões de crédito e com todo o dinheiro! Pode prender os dois, policial!

Joel soltou Jeremias e ameaçou montar na bicicleta.

-Acho que não, meu filho, se você não se defender eu vou ter que prendê-lo, então fale alguma coisa ou terei que leva-lo pro distrito, ou, se você montar nessa bicicleta, terei de abrir fogo contra você!

-Calma policial, eu vi o que aconteceu, esse nobre rapaz estava ajudando essa senhora, foi ele quem interceptou o garoto, que roubou a bolsa dela. - Uma senhora negra apareceu e começou a defender Rider.

-Isso é verdade? – O policial se virou à senhora gorda.

-Bem, foi o pequeno que me roubou, o outro só apareceu depois!

Várias pessoas em meio ao grupo que servia de plateia começaram a concordar com a senhora negra que apareceu do nada para resgatar Rider.

O policial permaneceu em silêncio por algum tempo, ponderou. E falou:

-Eu vou leva-lo.

Silveira já suspeitava que o jovem que estava à sua frente era o sujeito de máscara que havia ajudado a prender alguns assaltantes de um posto no dia 30, pegou as algemas em seu carro e falou que levaria Rider e Jeremias.

Porém, a senhora negra começou a protestar, disse que era uma injustiça e se colocou à frente de Rider, algumas pessoas começaram a fazer o mesmo, rapaz havia impedido um assalto e isso, pelo visto estava começando a soar como algo magnífico na mente da multidão presente ali.

Foi o suficiente para Rider pegar sua bicicleta e sair pedalando  sorrateiramente, sem que Silveira percebesse. Quando este percebeu, já era tarde demais.

-Ei! Volta aqui! – Silveira tentou ir atrás de Rider, mas foi impossível acha-lo, ele já tinha retirado a máscara, o uniforme e se misturado à multidão.

Silveira jurou que pegaria Rider uma hora ou outra, ele já havia identificado que havia um sujeito andando por aí parando assaltos, e ver aquele moleque negro de máscara era a prova de que os assaltantes do dia 30 estavam falando a verdade.

                                                                 ---

Elisandra sentiu-se orgulhosa de seu feitio do dia, ela conseguiu salvar o jovem que havia salvado sua vida algumas noites atrás, ela sorria para si mesma, quando cruzou uma esquina, encontrou-se com ninguém menos que ele, o próprio vigilante. Lá estava ele, parado À sua frente, vestindo o casaco, as calças jeans encardidas, as proteções nos joelhos e nos cotovelos, a máscara, o boné, luvas e o tênis.

-Mas que mundo pequeno é esse, não é, senhor Rider?

-Olá, senhora.

Ela o convidou para tomar um café em sua casa, e ele aceitou. Deixou sua bicicleta, à frente do apartamento da senhora, adentrou sua casa, sentou à sua mesa e comeu bolachas de água e sal com requeijão, pão com mussarela fatiada e tomou leite com uma colher de achocolatado em pó. Fez tudo isso sem tirar a máscara, já que essa não cobria sua boca, nem seu nariz.

Rider se perguntava se Elisandra sabia do paradeiro da morte de seu marido e o quanto ela poderia saber a respeito do suspeito.

-Você não é muito de conversar. – Falou ela, depois de certo silêncio.

-A senhora é mãe do Albert Junior, não é? Tem alguma coisa que possa me falar a respeito dele? – Ele tentou iniciar um assunto, como se fosse um policial.

-Ele... Ele é um bom garoto... – Ela olhou para uma foto de Junior com ao menos dezessete anos no criado mudo. Ele parecia ser o tipo de rapaz que andava sempre acompanhado de vários amigos, A foto ao menos o mostrava à beira de uma piscina com vários garotos e garotas de sua idade.

-Eu fiquei sabendo que ele e o seu bando já mataram mais de vinte pessoas, isso é devastador para uma mãe. Mas, isso é tudo o que eu sei... É tudo o que me contaram... E quando me contaram, o fizeram para me chocar e conseguiram.

-Eu... Sinto muito. – Falou Rider.

Ela permaneceu em silêncio, ponderou por alguns instantes, até que finalmente disse:

-Por que você fez... O que fez? Salvou a minha vida?

-Por que eu não tinha nada melhor para fazer naquela noite e por que... Eu sou um super-herói...

-Você é o que? – Ela se mostrou confusa

Ele sorriu – Um Super-Herói. Sou um justiceiro, eu levo as pessoas À justiça por conta própria. Por isso eu uso uma máscara.

-Bom... Eu só espero que Deus te ampare, filho... –Elisandra achou aquilo muito estranho, apesar de sentir-se grata por existir um sujeito como Rider.

-Obrigado, senhora, eu vou indo.

Antes de partir, Rider sentiu a mão de Elisandra segurar à sua.

-Eu não sei se me sinto grata por Alberto ter morrido ou se sinto pena dele. Talvez tenha sido para o melhor que ele morresse... Mas ele poderia mudar... Poderia melhorar...Talvez seja pretensão minha, sinto um alívio muito grande, mas também sinto que ele poderia melhorar, aprender com a vida e se tornar um homem bom. Eu só espero que nosso filho não termine da mesma maneira.

-Eu... –A Expressão de Rider mudou. Ele sentiu tristeza.

-Obrigado pelo lanche, senhora.

E foi-se embora.

                                                                                         ---

No apartamento de Cabeça de Azeitona moravam duas pessoas, ele e sua esposa. Quando a esposa chegou em casa, de uma audição a uma feira de artes, ela viu o local vazio e perguntou-se se seu marido havia morrido no tiroteio que havia presenciado há duas noites atrás, ligava em seu celular e este dava sinal de ocupado.

Ela não sabia o que fazer, se entrava em desespero, se contava o que sabia a seus parentes para que eles soubessem e entregassem Washington Evandro Silva, um dos maiores líderes da facção criminosa conhecida como Homens do Morro, às autoridades, porém, não desejava perder o homem que a havia garantido tantos confortos durante tanto tempo em sua vida. Mas afinal de contas, esses confortos haviam sido adquiridos de maneira ilegal e desonesta. Ela queria mesmo viver com alguém assim?

Ela se deitou na cama do luxuoso quarto que dividia com seu marido. Decidiu olhar algumas fotos de seu casamento com Washington, via os momentos de felicidade e regozijo com ele, quando ouviu um estrondo na entrada do apartamento.

Era o próprio Washington, que entrava no apartamento com violência, por ser um homem grande ele fazia mais barulho que um gorila raivoso, e com raiva ele estava.

-Olívia, eu não tenho tempo para discutir, onde está a arma que eu falei que havia adquirido para proteger o apartamento caso algum bandido o adentrasse?

-Está no cofre.

Ele abriu o cofre, retirou uma pistola estilo PT  Taurus, carregou-a com a munição que havia guardada no cofre.

Enquanto Olivia observava aquela cena, seu corpo estremecia em um misto de medo, dúvida e raiva.
-
O que você vai fazer?

Washington permaneceu em silêncio e continuou vendo alguns papéis que possuía guardados no cofre, provavelmente  mostrando o endereço de algum contato ou contatos com algum advogado.

-Você não vai me responder?

Quando ela desistiu de chamar pela atenção do homenzarrão  que parecia estar omisso à sua existência, falou:

-Eu vou delatá-lo para os meus pais, você sabe que eles não hesitarão em revela-lo para a polícia.

Foi quando Washington percebeu que a mulher a qual ele dava as costas tinha um poder muito maior sobre ele do que ele imaginava.

-Olívia...

Ele virou-se para ela.

-Você não vai fazer isso... Eu sei que não fará... Eu entrei em desespero por pensar que você me delataria por saber que seria “a coisa certa.” Pensei em te implorar para não me delatar. Mas se você me revelar, vai perder tudo o que eu sempre te dei. Vai perder todo o conforto e todas as coisas boas que eu te dei.

Ele parou por um instante, ajeitou o terno preto que vestia, estava sujo, repleto de barro e sangue. Olivia sentia ojerizas ao olhar seu homem naquela situação.

-Eu tenho um poder sobre você muito maior do que o que você tem sobre mim.

E partiu em busca do vigilante que o havia humilhado há algumas noites atrás, ele não descansaria até que o pivete estivesse morto.

Quanto a Olivia, ela permaneceu em silêncio, seu dilema havia se intensificado.

Olivia era morena, quase negra. Havia nascido e crescido em um bairro moderadamente pobre, tudo o que tinha fora Washington que havia lhe dado, seu emprego como artista plástica não era nada comparado ao que o crime organizado fornecera a ela. Ela era a esposa de um líder, talvez o mais eficiente deles. Um homem que possuía um nível de auto importância tão grande que se considerava digno de violar a lei, e se safava com isso. Era um homem que dava mais importância a si mesmo e ao seu bem estar do que a qualquer coisa neste mundo.

E ela permaneceu com ele por isso. E foi cúmplice de um formador de quadrilhas.

                                                                          ---

A imagem do noticiário na televisão velha na casa de Joel mostrava Ártemis Perrini, uma jornalista que outrora era repórter de campo, agora apresentando o jornal do meio-dia.

“Dois homens que estiveram envolvidos no tiroteio que houve no primeiro dia do ano foram soltos hoje às onze horas, o advogado criminalista que defendeu o réu, Edgar Prado, não quis se pronunciar. Os dois homens são conhecidos como Pincha e Travolta. Ambos estão envolvidos com a facção criminosa conhecida como Homens do Morro na Vila Joanópolis em São Paulo.”
Em outro canal, vemos um sujeito gordo, de terno, usando óculos.

“Olha só pra vocês verem!” “Os caras ficam se envolvendo em tiroteios dessas gangues, matam uma centena de pessoas inocentes, e não inocentes, tiram o sono de uma centena de famílias e depois, por causa de uma porcaria de um advogado de bandido eles são soltos e podem ir almoçar com o papai e com a mamãe que vão ficar adulando pra eles irem matar mais gente! E eu pergunto! E quanto à família dos inocentes que foram baleados nesse tiroteio? Ô amigo! Vê se dá um crédito!”

Joel mudou de canal, ele já havia visto o que necessitava ver. Já possuía as informações que precisava, podia assistir a Liga da Justiça agora que sabia que Travolta e Pincha, dois dos líderes da organização Homens do Morro tinham um advogado que era bom o suficiente para soltá-los dois dias após serem presos. Provavelmente havia algo a ver com o “Habeas Corpus” que era uma artimanha que advogados em favor de bandidos usavam para soltá-los, que o pai de Joel sempre se queixava. Mas agora não era hora de importar-se com isso. Joel havia tido notícias de que o filho de Albert Einstein estava trocando tiros com os soldados de seu pai e pretendia acabar com isso mais que imediatamente.

Joel vestiu-se como Rider e foi para as ruas, antes de sair de Joanópolis, ele se deparou com um grupo de moradores raivosos. Havia um tumulto acontecendo em uma rua sem saída, havia um grupo grande de pessoas cercando um senhor de idade, branco, com a pele levemente escurecida devido ao excesso de álcool que consumia. Barbas e cabelos grisalhos, dentes parcialmente destruídos, vestia casaco rasgado, calças maltrapilhas, uma camiseta suja e um gorro em semelhante estado. Dentre a multidão que o cercava havia uma mulher branca de cabelos castanhos, vestia-se consideravelmente melhor que os demais. 

Ela parecia aguardar pelo pior enquanto filmava tudo.

As pessoas jogavam pedras no sujeito, algumas o ameaçavam ferir com pedaços de madeira, outras gritavam palavras de ódio para ele.

Rider não pensou duas vezes, pedalou o mais rápido que pôde, enfiou-se entre a multidão, pegou o sujeito pelo casaco que vestia e o tirou de lá o mais rápido que pôde.

As pessoas ficaram surpresas, algumas comentaram entre si, alguns tentava reconhece-lo, mas parecia impossível com as roupas que ele usava e com a camiseta rasgada que usava no rosto. Apesar disso, muitos começaram a seguir Rider e ele viu que estavam todos destinados a matar o velho. A mulher com a câmera vinha logo atrás.

Rider parou de pedalar e perguntou:

-O que foi que aconteceu? O que é que este homem fez para vocês agredirem ele desta maneira?

Rider começou a notar que sangue começou a escorrer da cabeça do mendigo que possuía em seus braços.

-Ele precisa de cuidados médicos, vou ver se o levo a um hospital! Por que vocês estão ferindo ele?

-Solta ele, guri! – Falou um homem maior dentre a multidão, - Senão eu vou te pegar pessoalmente!

-A gente decidiu que ele vai virar um mártir da população de Joanópolis! – Falou uma mulher gorda e negra.

-Como é?

Após Rider se mostrar confuso houve um alvoroço e as pessoas começaram a ataca-lo verbalmente. Ele não sabia quem ouvir primeiro.

-Solta o velho que ele morre hoje! Ele foi pego roubando! A gente tá cansado de violência nessa vila! Tem gente morrendo todo dia! Já estamos cansados dessa violência! Ele é membro da facção criminosa!

Rider finalmente teve noção do que ocorria, ele olhou para a patética criatura que tinha envolvida em seu braço esquerdo, viu o quanto ele parecia sem sintonia do que ocorria, o sujeito não parecia ligar para nada, seu olhar parecia distante, parecia que se ele morresse ali, não faria a menor diferença. O vigilante aproximou a mão de um dos bolsos de seu casaco e pensou que o melhor a fazer seria salvá-lo, por mais errado que o mendigo estivesse, por mais que ele tivesse cometido o pior dos erros, haveria tempo para que ele fosse julgado, mas essa não era a hora.

-Você tá usando máscara! Você provavelmente  é membro do grupo do Albert Einstein! – Gritou uma mulher branca, já velha e acabada. Tinha um cigarro na boca.

-Já chega! Solta ele agora! –Falou um homem grande e negro, que decidiu avançar contra Rider.

Rider enfiou a mão no bolso do casaco, agarrou três bolas envoltas em uma camada de borracha e jogou-as no chão. O impacto permitiu que elas explodissem e liberassem um pó branco que deixou aqueles que estavam à frente da multidão temporariamente estagnados.

Isso deu tempo para que Rider segurasse o mendigo nas mãos e pedalasse com o máximo de força que conseguisse. Ele se foi e aqueles, dentre a multidão, que conseguiam vê-lo não conseguiram alcança-lo pois os que estavam na frente serviram de obstáculo.

Rider conseguiu levar o mendigo para o seu esconderijo (a garagem de sua casa) lá ele encontrou-se com seu fiel escudeiro, Tomas, que decidiu dar uma olhada nos ferimentos do mendigo, ele concluiu que era capaz de ajuda-lo. O sujeito parecia gravemente ferido, mas a princípio possuía menos ferimentos que Rider quando voltara da luta contra Cabeça de Azeitona.

Enquanto Tomas pegava algodões e esparadrapos para atar as feridas na testa do sujeito. Rider decidiu perguntar seu nome.

-Judas... Meu nome éJudas... – Falou em um tom quase inaudível.

Rider agachou-se e olhou o homem nos olhos.

-Senhor... Senhor Judas... Me diga... Me diga... Onde está Albert Einstein Junior e seus comparsas. Eu estou disposto a pará-los. A qualquer custo.

Senhor Judas começou a balbuciar algumas palavras inaudíveis, ele falava coisas consigo mesmo que pareciam ser impossíveis de se entender, Joel tentava entende-lo, ele sentiu pena do sujeito, ao mesmo tempo que sentia que ele poderia servir de ajuda contra os criminosos que procurava. Depois de um tempo falando coisas que Tomas e Joel praticamente ignoraram, ele começou a falar coisas que soavam com o português.

-Eles já mataram três... Já mataram três e vão matar ainda mais...

-Quem? Quem eles já mataram?

-Isso... Isso eu não sei... São apenas boatos...  –Judas fechou os olhos e ameaçou desmaiar. Joel viu um homem cansado à sua frente, um sujeito que já havia vivido demais, que estava à beira da morte e que nunca havia conquistado grandes objetivos em sua vida, era o típico sujeito cuja vida havia sido um total fracasso, Joel não sabia se ele possuía uma esposa ou alguém que se importava com ele.

-Tomas... –Rider estava pensativo, Até que virou-se para seu parceiro.

-Você pode tomar conta dele esta noite? Eu não posso deixar ele aqui, minha mãe e meus irmãos vão descobri-lo, eu preciso que você tome conta dele na sua casa.

-Rider, é melhor deixa-lo em um abrigo para velhos. Eu não posso leva-lo pro lugar onde eu moro, meus companheiros de quarto vão reclamar. – Falou Tomas, ciente do fato de que deveria manter a identidade de Joel intacta.

-Então está certo... Levemos ele para um abrigo de ido... –Antes de terminar, Rider e Tomas deparam-se com a garota que estava filmando Judas e os demais há alguns minutos atrás.

-Cara, que maneiro! Um super-herói de verdade!  -Falou ela.

-Heim?

-Tipo, a tua roupa é muito maneira! Você usa proteções pros joelhos e pros cotovelos! Muito maneiro, e o seu boné, cara! E você se veste de azul e verde! E tem um sol amarelo no peito! É o autêntico super-herói brasileiro! O teu estilista realmente se superou! Aposto que você tem um nome super brasileiro, tipo Capitão Brasil ou Homem Tupi, ou coisa parecida! À propósito, meu nome é Jennifer! Jennifer da Cruz!

Jennifer era uma garota que parecia ter dezoito anos de idade, vestia calça preta, colete preto por cima de uma camisa branca abotoada com manga, cabelos lisos castanhos soltos e sapatilhas pretas nos pés.

-Você filmou o meu resgate com a sua câmera, não foi?

-Na verdade eu tirei algumas fotos pra mandar pro jornal que eu trabalho de freelance, você vai ficar super famoso, cara!

-Essa mulher enlouqueceu, Tomas! Temos que mata-la!

-Mas você usa essas roupas todas cheias de detalhes e cores você só pode estar atrás de atenção!
Joel e Tomas entreolharam-se.

Jennifer notou Tomas, ela viu o quanto este estava ocupado cuidando de Judas e o quanto este estava ferido.

-Ele não parece bem.

-Eu acho engraçado como você deixou aquele pessoal bater nesse sujeito, você podia ter contatado as autoridades, já que você tem contato com algum jornal que eu mal sei qual é, mas não, você ficou lá tirando fotos com a sua camerazinha de bolso!

Jennifer ignorou Rider, ela se aproximou de Tomas.

Tomas olhou para Jennifer como quem via a pessoa mais bela do mundo. Ela viu nele um cuidador, um homem que era capaz de suprir a dor alheia. Ela abaixou-se, viu o quanto Judas precisava de apoio, tentou se redimir daqueles dois homens que a consideravam uma mulher completamente desprovida de sentimentos, já que ela se mostrava apenas interessada em conseguir seu benefício próprio, ponderou por alguns instantes e falou:

-Eu posso leva-lo para um abrigo próximo de onde moro, meu carro está estacionado aqui perto. Vem comigo, assim você me ajuda a cuidar dos ferimentos dele no caminho.

-Mas e quanto às fotos do Rider? – Perguntou Tomas.

-Eu vou mostrar apenas as fotos do homem sendo agredido. – Ela virou-se para o mascarado.

-O que vocês acham?

-Já que você vai levar o velho pra gente, então eu tenho que confiar na sua palavra. –Falou Rider. –Enquanto pensava.

-Então está resolvido, você vem comigo, senhor Tomas? – Jennifer indagou Tomas, esperando que ele a acompanhasse.

Rider sussurrou a Tomas:

-Você sabe bem o que fazer, peque a câmera dela e não a deixe saber disso.

Tomas e Rider levantaram o Senhor Judas, este acordou subitamente e foi levado ao abrigo por Jennifer e Tomas.

Joel permaneceu na garagem de sua casa por algumas horas mais até que começou a sentir saudades de seu pai. Ver um homem velho em uma situação precária havia feito-lhe ponderar sobre a situação do homem que o havia criado, apesar de ter vingado o que aconteceu, Joel ainda sentia um vazio dentro de si, a falta que seu pai fazia era enorme, não saber se este sobreviveria era algo que lhe devorava por dentro.




O grande “herói” de Joanópolis apoiou-se em uma parede da garagem de sua casa, e ignorando os respingos do sangue do Senhor Judas que havia nela, sentiu-se só, sentiu-se sem ninguém, sentiu que não havia ninguém que poderia apoiá-lo, consolá-lo. Sentiu-se como o Senhor Judas estaria sentindo-se neste momento. Joel tirou a máscara e chorou, ele sentiu seu rosto esquentar, seus olhos arderem, sentiu novamente o medo de ser pego pela polícia.





E mais uma vez, o herói fraquejou. Mas desta vez ele não tinha ninguém que pudesse consolá-lo, Tomas não estava por perto, não havia sinal de sua família. Desta vez ele tinha apenas a si mesmo.
                                                                         ---
Às seis horas da noite, Edileuza Maria de Aparecida foi a primeira a entrar em casa, ela foi seguida por seus dois filhos. Miriam Maria de Aparecida e Nazdan Neto, Edileuza chamou pelo filho Joel, ela não teve respostas.

-Onde está esse garoto a essa hora?

-Eu quero saber onde está o meu terceiro filho que eu preciso falar com ele imediatamente, onde está o guri? – Falou Nazdan Filho, que foi o quarto a adentrar a casa.

Edileuza gritou o nome de Joel pela última vez com todas as forças.

Foi quando o próprio deu-se por conta de sua própria existência.

Joel estava deitado, ainda vestido como Rider, sem máscara, na garagem de sua casa, quando percebeu que sua família inteira estava em casa, apressou-se em tirar as proteções para os joelhos e para os cotovelos, jogou seu casaco na máquina de lavar roupas presente no local, virou a camiseta que vestia do avesso e tentou limpar as manchas de sangue já secas na parede da garagem.

Quando a mãe e o pai de Joel apareceram  na garagem, ele já havia limpado parte do sangue na parede e havia jogado os panos sujos na lata de lixo para que eles não os vissem.

Joel permaneceu imóvel quando os dois adentraram a garagem, esperou pelo pior quando eles apareceram, chegou à conclusão de que os dois poderiam saber de tudo a qualquer instante. Quando Nazdan se aproximou do filho, este estava de costas para ele, as roupas de Joel estavam sujas, suadas e mal lavadas. 

O homem negro e careca não se importou, abraçou o filho e sentiu-se grato por estar em casa.

Joel não havia sentido uma alegria tão grande em algum tempo, sentir o cheiro de pasta de barbear, nicotina e suor que exalava o pai fora uma felicidade muito maior que ser capaz de dar ou levar uma surra de qualquer bandido nos últimos dias.

Mas havia um porém, apesar de Seu pai estar vivo, seu trabalho como Rider agora havia terminado, ele poderia voltar à sua vida medíocre como nerd viciado em quadrinhos, sem excitação sem propósitos, sem ambição, sem adrenalina. Apesar de sentir-se grato por seu pai estar vivo, sentia o desespero de voltar a ser o verme medíocre que sempre fora. De voltar a viver a vida cheia de frustração e desapontamentos de outrora.

Mas agora ele poderia culpar a si mesmo pela morte de Albert Einstein, o chefe do crime, agora ele possuía um novo dilema em suas mãos, se a polícia descobrisse seu paradeiro. Ele certamente iria para a cadeia, pois agora era certeza de que Albert Einstein havia morrido em vão.

E o pior de tudo era que seu filho provavelmente iria querer saber quem havia matado seu pai, e quando ele descobrisse a verdade, iria colocar todos os seus soldados atrás de Joel.

As coisas poderiam melhorar ou piorar.

Era tudo uma questão de escolha para Joel, mas era ele quem deveria terminar o que começou, pois havia outro traficante a solta. E era seu dever pará-lo.

Joel quase que sentiu-se aliviado ao saber que ainda haveria algo a se fazer atrás da máscara do Rider, que ele ainda poderia suprir sua loucura vivendo a vida de um vigilante em Joanópolis. Ele abraçou o pai, e agradeceu aos céus, pois ainda havia sentido em sua vida medíocre.
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Junior decidiu atacar uma quarta boca de fumo que estava em poder de seu pai, o nome de seu líder era Cavanhaque, um sujeito branco, de cabelos negros encostando-se aos ombros, andava sempre de tênis caros e bermudas de surfista.

O filho de Alberto Everardo decidiu escolher um quarto chefe para a boca de fumo que estava prestes a dominar, era um primo seu, do lado de sua mãe. O apelido que lhe deram era Bola Oito, um sujeito gordo, negro, possuía o cabelo raspado. Tinha o costume de vestir uma camisa xadrez e calça jeans.

Bola não levava essa ideia de entrar para o tráfico muito a sério, sua vida sempre fora trabalhar duro em um negócio de estacas e pilares que possuía com uns amigos e com um primo que ele e Junior tinham em comum, Wilson, um primo o qual Bola tinha afinidade, mas tanta afinidade que Bola dizia amá-lo mais que a seus próprios irmãos. Mas quando seu pai adquiriu uma doença grave, cuja qual poderia deixa-lo em estado terminal, se não fosse tratada logo, Alberto Everardo Junior ofereceu-lhe uma posição de autoridade no tráfico, ao invés de denunciá-lo , Bola decidiu investir na venda de narcóticos para pagar o tratamento do pai, já que este não possuía um plano de saúde. Quando Wilson soube disso não concordou, porém, deixou que seu primo e melhor amigo vivesse da maneira que desejasse.

A noite era chuvosa, os homens de Junior estavam em prontidão, preparados para atacar, Bola carregava sua pistola estilo Beretta 92, que fora entregue pessoalmente pelo chefe, e sentia os pingos de chuva caírem sob sua cabeça.

Bola estava escondido atrás de um tonel de lixo, o cheiro o incomodava, mas ele acreditava valer a pena, ele e mais um sujeito com cara de poucos amigos aguardaram por algum sinal, quando Branquelo apareceu e avisou que Junior estava tentando negociar com Cavanhaque.

Não demorou muito até que Bola ouviu sons de tiros e vozes dando o comando para avançar e entrar no estabelecimento em que estavam. Bola adentrou-o e tentou desviar dos tiros que vinham em sua direção.

-Vem aqui, senão você morre! – Gritou Têjota a Bola, escondido atrás de uma mesa de madeira. Eles tiveram sorte, pois não demorou muito até que Junior fosse capaz de abater todos os comparsas de Cavanhaque com alguns poucos tiros.

-Eu falei que era melhor você se submeter a mim, seu moleque rebelde! – Junior gritou a Cavanhaque.

-Eu sou um sujeito muito cauteloso, Junior, eu não vou me submeter a você quando eu posso simplesmente tomar posse dos negócios do seu pai e me tornar o mais novo chefe do tráfico por conta própria! As coisas estavam dando certo antes de você aparecer e...  – Cavanhaque começa a dar o seu discurso enquanto se levanta e dispara contra os homens de Junior, ele tenta fugir, mas é impedido.

-Ah, cala a boca! – Junior interrompe Cavanhaque com um tiro diretamente em seu olho, que explode ao entrar em contato com a bala vinda da Taurus 40 do rapaz de cabelos avermelhados.

Bola se torna o líder da boca de fumo que outrora era de Cavanhaque, mas antes de liderar ele aprende a enrolar fumo, a cortar os lotes da maconha, a moer cocaína, etc.

Bola sabia das consequências devastadoras que isso traria para sua família e para si mesmo se ele fosse pego  mas ele estava disposto a pagar o preço se isso significasse a salvação de seu pai.

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A imagem do noticiário é clara, podemos ver Artemis Perrini, a apresentadora atual do Jornal Nacional.

“Essa semana foi marcada por tiroteios e mortes na região campestre de Joanópolis. Dezessete membros de gangues foram mortos em um conflito armado, seus corpos foram queimados e abandonados em latões de lixo, os suspeitos ainda estão sendo procurados pelo distrito policial local.”

Vemos uma das mães dos traficantes chorando desesperadamente. Uma jovem senhora mulata, com roupas convencionais. Ouvimos uma voz masculina narrando a notícia.

“A dor é muito grande, diz dona Luiza, a mãe de Luis prestes filho, mais conhecido como Creepy, um adepto do movimento Punk, que estava dentre os traficantes que foram mortos, ela diz que não sabia que o garoto vendia drogas ilegais, apenas pensava que ele e uns amigos queriam formar uma banda de rock.”

“É uma dor muito grande, muito grande, e eu mal tinha ideia, ele nunca tinha falado isso pra gente, meu Deus, onde esse mundo vai parar, minha nossa senhora?”

“Os amigos de Luis dizem que ele foi morto por um traficante que estava retomando os negócios do pai, conhecido como Albert Einstein, que a princípio foi morto por vigilantes a algumas noites atrás, o apelido que a polícia está dando para este novo sujeito é O Arqueiro por sua facilidade e proficiência em manejar armas. Eu sou Alexandre Bonfim, para O Jornal Nacional.”

Junior desligou a televisão do esconderijo onde estava, ele olhou à sua volta. Viu que seus três amigos, Branquelo, Têjota e Marrom, não estavam mais por perto. Eles estavam, os três, cuidando de seus pontos de vendas de drogas. Ele viu que agora haviam apenas alguns de seus seguidores, dois moleques, que deviam ter menos de quinze anos de idade, jogando cartas, sentados em uma mesa, um pouco afastados dele, ambos portavam armas, escondidas em seus bolsos.

Ele agora era o novo chefe do tráfico em Joanópolis, tinha consciência disso, o vigilante tinha feito o favor de eliminar os Homens do Morro, tudo o que ele próprio teve de fazer foi eliminar os próprios homens de seu pai e aclamar a coroa para si. Ele não possuía rivais, Ele gostou do nome que a imprensa e a polícia haviam lhe dado. O Arqueiro. Era um nome que lhe fazia jus, ele sentia orgulho de sua mira. De como acertava os olhos de seus adversários com precisão.

Ele embriagou-se em seu orgulho e em sua satisfação, esqueceu que possuía uma mãe orava para que ele arrependesse-se de seus pecados e voltasse para casa antes que algo terrível lhe acontecesse. Mas em um momento de lucidez, lembrou-se que havia um homem à sua procura. E ele sabia que este homem, de certa forma fora o responsável pela morte de seu pai. A polícia não sabia os Homens do Morro não sabiam, Mas Alberto Everardo Junior, O Arqueiro, de alguma forma sabia.

E ele jurou que o vigilante, Rider, morreria pela sua mão. Não por que Albert Einstein era amado pelo filho, mas por que quem deveria ter matado o líder do tráfico em Joanópolis era ele: O Arqueiro.



E a Contenda estava selada.