Wednesday, September 4, 2013

Episódio 2 - Dia 29 de Dezembro de 2012





Dia 29 de Dezembro de 2012

Nove horas da noite. Dois amigos acabam de sair de uma festa de aniversário, ambos não são capazes de conformar-se com a caretice de seu anfitrião, o evento do qual acabaram de participar foi nada mais que imbecil.

O primeiro, Rafael, mal pode esperar para ver-se livre do centro de teste de paciência do qual acaba de sair e poder encaminhar-se a algum local onde ele possa flertar com as garotas mais atraentes de Sampa. Ele jura que na manhã seguinte acordará com um par de seios na cara.

Rafael é um sujeito muscular, negro, careca, apresenta um aspecto jovial, tem dezoito anos de idade e acabou de ingressar no tráfico de drogas. Ele sente-se compelido a gastar toda a merecida grana que acabara de receber de seus chefes.

Estevão, o segundo, possui planos diferentes, ele pretende pegar um pacote da cocaína mais saborosa que o mercado de narcóticos pode oferecer“chapar-se” até amanhecer, e, por sorte, contratar uma prostituta para satisfazê-lo no meio-termo. Estevão é moreno, possui o cabelo preto, liso e caído, quase se encostando a seu ombro, é um indivíduo magricela e alto, sempre andando com casacos e roupas pesadas, mesmo quando não há sinal de frio na quente Vila Joanópolis. Ele tem dezessete anos, idade a qual o impede de se alcoolizar ou fumar qualquer coisa de maneira legal, porém, já os pratica com mais vontade que um adolescente em sua primeira vez.

O anfitrião, Joel de Aparecida, os acompanha, já suspeita o quanto seus dois amigos desprezam a festa surpresa que seus parentes religiosos decidiram fazer-lhe. Joel recebera tudo aquilo que desejara, o pastor da igreja protestante local havia dado-lhe uma benção especial, sua irmã havia entregado-lhe um engradado lotado de revistas em quadrinhos velhas, as quais contavam excitantes histórias de super-heróis, todos estavam deliciando-se com refrigerantes e salgadinhos, feitos por sua avó, havia hinos de louvor sendo tocados pelos músicos da congregação.

Joel não era demasiadamente ligado à igreja em si, porém, seu círculo de amizades baseava-se nos colegas de escola e nas pessoas que compartilhavam da fé fervorosa de sua mãe, os últimos sendo aqueles com quem Joel preferia conviver. Joel é um homem de dezenove anos, negro, possui um cabelo mais volumoso que o comum, corpo franzino e os olhos cobertos por óculos de aros pretos e lentes artificialmente embaçadas.

-É legal saber que estão aqui, caras. Gostaria que vocês ficassem mais. – Fala Joel.

-Ah, sabe como é, parceiro, A gente tem que fazer as paradas acontecerem, saca? – Fala Estevão, tentando soar condescendente.

-Sei... Vocês não estão se envolvendo com drogas de novo, estão?

Os dois começam a rir, até que Rafael completa:

-Joel, meu amigo, não se preocupe com o que nós fazemos! Sério, cara cuida da sua vida que a gente cuida da nossa.

Joel sabia muito bem que os dois estavam envolvendo-se com aquilo que, em sua opinião, era encrenca. Porém, não podia conter a curiosidade, havia algo dentro dele que o fazia completamente interessado no submundo de Joanópolis.

-Então beleza. Acho que a gente se vê na escola segunda.

Despedindo-se de Joel, os dois finalmente agradeceram o fato de estarem livres para aproveitar o final de semana, sabiam que Joel era uma testemunha em potencial, portanto pretendiam mantê-lo longe daquilo o máximo que podiam.

Albert Einstein Junior era filho do chefe das drogas: Alberto Everardo. Mais conhecido como Albert Einstein pai.

Junior nunca esperava que seu pai fosse capaz de cometer o desleixo de contratar um funcionário problemático, cujo qual estava consumindo a mercadoria. Nesta noite, ele teria de fazer o trabalho sujo por conta própria e eliminar o sujeito, visando impedir que o negócio de seu pai tivesse qualquer elemento negativo.

O objetivo de Junior era herdar o império de seu pai, mesmo que tivesse de chegar a conseqüências devastadoras, para tanto, convocou a ajuda de alguns amigos, para que estes fossem de apoio, já que o “nóia” sempre andava acompanhado de outro dos recém-empregados, ambos poderiam representar desafio para Junior.

-Vamos ver quantos nervos de carne humana às balas dessa belezinha aqui são capazes de perfurar. – Falou Marrom, um dos camaradas de Junior, enquanto segurava uma pistola estilo Taurus 40, cuja qual havia roubado de um policial que ele jurava ter matado a sangue frio.

Marrom era um negro desdentado, tinha o cabelo alto e felpudo, suas tendências psicóticas eram reveladas na maneira em que falava, alegava insistentemente que possuía uma lista enorme de pessoas as quais já havia matado.

-Aí, Albert, não vai rolar nada pra mim? – Falou Branquelo, um sujeito de pele branca azeda, cabelo castanho, vestia-se com uma camisa sem manga e uma bermuda azul, usava chinelo de dedos, coisa que nenhum dos demais usava. Branquelo queria, por tudo, ajudar a sustentar sua família, o meio mais fácil era entrando para o tráfico em Joanópolis, jurava a si mesmo que iria subir de cargo na empresa e, para isso, bajulava a todos os seus superiores e era, de todos, o mais obediente.

-Uma arma é mais que o suficiente, não há necessidade de você usá-la, eu tenho a garantia de que eles não possuem mais que uma pistola. E a propósito, sou eu quem vai usá-la, pode entregá-la para mim. – Junior virou-se a Marrom.

Aproximando-se com velocidade, vinha o olheiro do grupo, Têjota. Este era um camarada franzino, de cabelo raspado e pele escura. Tinha o aspecto de um adepto da cultura hip hop, vestia-se com roupas similares às dos Mc’s que volta e meia faziam shows nas boates das redondezas.

-Eles já estão se aproximando! – Disse

-Espero que vocês estejam prontos, preparem-se para atacar caso algum dos dois decida reagir.

Albert Einstein Junior era semi-negro, seu pai era branco, sua mãe era negra. seu aspecto pardo, olhos claros, cabelo preto-vermelhado e rosto magro, davam-lhe a impressão de ser um sujeito nada amigável. Vestia casaco e boné vermelhos, uma calça preta e uma camisa branca.

Esta seria a noite em que Junior finalmente mostraria sua influência no negócio de seu pai, seu grande objetivo era assumir o cargo de chefe do crime no lugar de seu pai. Mas, para isso, faltava-lhe a coragem de matar um ser humano a sangue frio, Junior estava disposto a fazê-lo hoje, para que pudesse fazer o mesmo com qualquer outro que resolvesse colocar-se entre ele e seu milionário futuro.

O grupo colocou-se em posição, cada membro escondeu-se em uma das casas que faziam parte da rua a qual os dois alvos caminhavam. Esta dava para uma estrada de terra cercada por um matagal que servia de divisa entre Joanópolis e a vila mais próxima, Junior e seus aliados aguardavam até que seus dois algozes chegassem à área vegetativa. Seria um tiro certeiro para o filho de traficante e seu grupo. Ele os mataria ali mesmo e esconderia os corpos no matagal, o local era propício, ninguém tomaria ciência do ocorrido e sua missão estaria cumprida.

Rafael e Estevão começam a aproximar-se do matagal que dá para a Vila Fátima, onde ambos conseguirão aquilo que desejam. Joanópolis, apesar de repleta de criminosos, não oferece excitação suficiente para os dois, afinal, as pessoas do sexo feminino em Joanópolis eram, em sua maioria, senhoras de cinqüenta anos ou mais. Deixe que “nerds” como Joel apreciasse a companhia dessas.

Os dois estão em silencio, Estevão pega um tocador de Mp3 e liga o som no volume máximo. A música dos Racionais Mc’s é ouvida de longe em meio ao silêncio da área vegetativa em que estão.

Junior amaldiçoa sua sorte, o som alto poderia atrair curiosos, ele deveria dispor-se do aparelho o mais rápido que pudesse.

Marrom aproxima-se com cautela. Ele aguarda ansiosamente pela hora de atacar, provocar dor física nos dois desgraçados e finalmente apaziguar sua necessidade de ver alguém se machucando gravemente. Marrom não tem nada a perder, não se importa se for morto ou quantas pessoas forcapaz de matar, ele não conhece sua família, não tem ninguém, sua vida é completamente dedicada a servir aos criminosos que o lideram.

Branquelo sente medo de ser pego, aqueles dois homens estavam prestes a morrer na sua frente, e isso aconteceria graças à sua influência. Se seus pais descobrissem, estaria perdido. Seria, para eles, uma vergonha maior que a de serem sustentados pelo salário milionário do filho. Porém, esta seria a última chance que ele teria de mostrar que pode matar a sangue frio e tornar-se um membro mais influente do negócio em que trabalha. Permaneceu atrás, visando tentar servir de auxílio.

Têjota havia subido em um dos pequenos prédios próximos da saída para a Vila Fátima, de onde ele observa cautelosamente os movimentos de seus alvos, está satisfeito em ter sido convocado a cumprir sua primeira missão, acredita que Junior poderia tornar-se um chefe melhor que seu pai, Têjota tinha um relacionamento conturbado com seu pai, seu velho era do tipo que subestimava tudo aquilo que o filho fazia, acreditava que entrando para o tráfico, iria conseguir provar que valia alguma coisa, e se isso não convencesse seu pai, Têjota usaria o dinheiro que recebe para mudar-se a outro país para nunca mais voltar. O olheiro também possuía uma arma em seu poder, e esperava pelo momento em que pudesse usá-la de longe para impressionar Junior e os demais.

Junior aguarda o momento de atacar, o momento de sua perscruta havia terminado.

Rafael para por um instante e olha para trás e, como um antílope que suspeita de um predador, tenta enxergar se alguém se aproximava, sente que há algo errado no ar.

Estevão não tem mais paciência para esperar por seu amigo, já está sentindo sono e cansaço há muito tempo, porém, sabe que este sábado será ainda melhor que o anterior, portanto, insiste para que seu companheiro apresse-se.

Rafael volta-se para seu companheiro e acelera o passo.

-Vamos cair fora daqui o mais rápido possível! – Fala

-Qual é o problema, irmão? – Pergunta Estevão.

-Acho que estamos sendo perseguidos.

-Chegou a hora de eliminar os elementos indesejados no meu plano de domínio do tráfico em Joanópolis. E vou começar por você. – Junior pensa alto,

Quando percebem o perigo que corriam, Rafael e Estevão olharam para trás e vêem Junior parado, com uma arma apontada para os dois.

-Corre Estevão! Corre que ele vai te matar! – Rafael já sabia que Estevão era o alvo, depois de encontrar pacotes de maconha rasgados na casa de seu amigo, sabia que um homem perigoso como Albert Einstein não deixaria que um dos vendedores estivesse consumindo o produto, e agora, com certeza, havia mandado seu melhor agente, o próprio filho, para que este matasse quem estivesse desobedecendo às ordens.

Junior dispara contra os dois, que partem em uma corrida desesperada, agachando-se e procurando um meio de esquivarem-se das balas.

Marrom e Branquelo aproximam-se com velocidade, visando caçar os alvos e impedirem sua escapada.

Têjota, por sua vez, permanece em seu posto, ele mira sua pistola, dispara alguns tiros, porém sua precisão não é grande o suficiente, a sorte dos dois “funcionários problemáticos” é tamanha e seus companheiros entram na frente de sua mira a todo instante, fazendo com que o olheiro procure por algum local mais favorável para permanecer e finalmente ser capaz de atingir o alvo.

O que Têjota não espera é ver uma figura ao topo da ladeira. É impossível identificá-lo, mas parece ser um sujeito indeciso.

Em algum momento de sua vida, Joel prometeu a si mesmo que, a partir do dia em que fizesse dezenove anos, iria luta contra os criminosos que atormentam a vida do povo de Joanópolis. Ele já estava cansado.

Cansado de sair de casa e ter de lidar com bandidos fazendo a população de escravos, de viver com medo de ver algum de seus familiares acordar com uma bala enfiada na cabeça, da injustiça, do fato de a polícia fazer tão pouco para ajudar, dos políticos megalomaníacos, que só se importam com as infindáveis propinas que recebem e com dinheiro de impostos, cujo qual certamente é desviado e utilizado em ações milionárias fora da cidade.

Daquilo que Joel mais estava cansado era do fato de ter sido presenteado com uma vida de civil. Seu pai, policial, podia arriscar a vida por um bem maior para a sociedade, mas, sendo o filho mais novo, Joel jamais era capaz de fazer qualquer coisa sem que sua zelosa mãe interferisse. Esta, não sendo capaz de tomar conta da vida do próprio marido, superprotegia os filhos como se estes ainda não fossem adultos formados.

A verdade era que o que Joel realmente desejava era ser como os fictícios Super-Heróis dos quadrinhos.

Ter um pai policial lhe forneceria toda a informação, coragem e material para combater o crime. Então, após dar adeus a Rafael e Estevão, Joel viu um grupo de criminosos aproximar-se de seus dois convidados. Esta seria a grande oportunidade de mostrar a si mesmo que era capaz de realizar seu sonho. Encaminhou-se, escondido, para a garagem de sua casa, pegou seu traje, bicicleta e foi para o topo da ladeira que dava para o matagal que servia de divisa entre Joanópolis e a Vila Fátima.

Joel é detentor de um super poder do qual ninguém sabia e está ansioso por usá-lo contra os criminosos.

Estevão e Rafael continuam correndo pelo matagal, buscando por socorro enquanto o filho de seu empregador aproxima-se cada vez mais rápido, seus comparsas tentam cercá-los.

Parecia o fim quando os cinco ouvem um grito vindo de longe, que se aproxima gradativamente, é um indivíduo montado em uma bicicleta amarela. É difícil identificá-lo, porém, percebem que veste boné, casaco, luvas de motoqueiro e máscara verdes, esta parecia uma camiseta rasgada, amarrada sobre a cabeça e com buracos para os olhos. Ele veste uma calça azul encardida e Tênis amarelos, Tem, por fim, uma camiseta branca, com o sol estampado no peito, por baixo do casaco e proteções para os joelhos e cotovelos. Seu nome é Rider e esta foi a primeira investida que ele realizou contra os criminosos de Joanópolis.


Rider pula contra Junior, jogando-o ao chão e fazendo-o perder sua arma. O traficante tenta recuperá-la, porém, é chutado pelo vigilante que agarra-a o mais rápido que pode.

Branquelo e Marrom pulam sob Rider, na tentativa de pará-lo. Porém, são soqueados e chutados para longe.

Rafael e Estevão apenas observam a situação, ambos parecem não acreditar no que vêem. Os dois haviam presenciado várias brigas de rua, sabem como entrar em uma briga para vencer, conhecem os métodos e sabem os truques de como se vencer o adversário em uma luta. Mas este sujeito era completamente diferente, lutava com vontade, era facilmente jogado ao chão e abatido, mas levantava-se e revidava cada golpe que lhe era dado. Experiência era algo que obviamente lhe faltava, mas o sujeitinho parecia saber usar os golpes certos nos momentos mais oportunos como se estivesse sendo guiado pela sorte.

Joel não é capaz de acreditar em seus movimentos, nunca havia entrado em uma briga séria, sua sorte até agora fora tudo obra do acaso, ou Deus tinha outros planos para ele, além da morte certa. Ele havia lutado contra si mesmo antes de soltar o freio da bicicleta, de descer a toda velocidade, gritar desesperadamente e de atacar os meliantes com os quais lutava neste instante.

Joel colocou duas forças em conflito. Por um lado a razão representava seu desejo de não desapontar seus pais e seus irmãos, se, no dia seguinte, seu corpo aparecesse na capa de um tablóide, sua família estaria completamente devastada. O pior era que ainda seriam perseguidos pelos criminosos responsáveis por sua morte. Por outro, a insanidade de Joel clamava por aventura, insistia em soltar sua adrenalina, e o chamava para um mundo que certamente seria sua destruição, mas que tornaria sua vida merecedora de ser vivida.

Joel sabia que nunca receberia nada em troca, era assim que os super-heróis viviam, se alguém descobrisse sua identidade, ele estaria perdido e não haveria meios de se apagar a memória do mundo inteiro como nos quadrinhos. Tudo isso fora postergado quando o lado “insano” de Joel soltou o freio da bicicleta e o levara de encontro àqueles malucos. Agora não havia mais volta. Agora ele teria de ser bravo, teria de extinguir o medo e se tornar o invencível herói que a cidade e ele mesmo precisavam, teria de ser o Batman da vida real. Agora, bastasse que ele terminasse com os meliantes e voltasse para casa descansar. Mal sabia ele que sua noite estava apenas começando.

Após serem abatidos por Rider, Marrom e Branquelo deixam que Junior tome conta do vigilante para aproveitar-se e impedir que Rafael e Estevão fujam.

Antes que Junior faça qualquer coisa, Rider segura à pistola que tem em mãos e atira para cima, fazendo com que a luz projetada pela arma cegue temporariamente os demais.

-Quem se mexer agora morre! – Grita o vigilante, com a voz trêmula pela ansiedade enquanto aponta a arma para os homens que estavam à sua frente, estes, por sua vez, obedeceram.

Rafael tem a mão de Marrom envolta em seu pescoço, tamanha era a força a qual o aliado de Junior segurava, Rafael fora obrigado a livrar-se de seu opositor.

Isso foi o suficiente para que Rider atirasse contra o primeiro que se moveu. A bala penetrou a perna de Rafael.

Observando tudo, Marrom, Junior e Branquelo olharam para a perna perfurada do rapaz, enquanto esta jorrava sangue por baixo da roupa. Os três meliantes correram antes que fossem os próximos.

-A gente vai deixar essa pra depois, mas eu juro que você é o próximo, seu “vileira” do caralho! –Grita Junior a Estevão, este não consegue mover-se, apenas permanece parado, boquiaberto com o que acabou de presenciar. Junior e os demais partem rindo de sua sorte e caçoando da desgraça dos três que haviam sido seus antagonistas nesta noite.

Estevão não é capaz de acreditar no que acontece diante de seus olhos. Seu melhor amigo havia sido baleado por sua causa. Graças à vida deplorável que estava levando! Antes que possa lamentar-se pelas péssimas decisões que havia tomado no decorrer de sua história, recebe um chamado à realidade vinda do estranho vestido de verde e azul à sua frente.

-Me ajuda a montar ele na bicicleta! Eu vou levá-lo pro hospital! Tá me ouvindo? Presta atenção!

-Eu... Eu... –Estevão permanece em estado de choque, ele nunca havia presenciado um homem morrendo na sua frente, sempre soube que um dia teria de lidar com algo parecido, mas não esperava que fosse logo o único verdadeiro amigo que tinha.“Se ele morrer” pensou. “Eu não terei mais ninguém... Até meus pais já desistiram de mim.”

-Então me ajude a salvá-lo. – Estevão ouve a voz do vigilante, parecia que o traficante havia pronunciado as palavras que imaginava ter pensado.

Estevão finalmente sente-se compelido a ajudar o sujeito, ele levanta-se e ergue o corpo de Rafael, para que este seja colocado, de alguma forma, sob a bicicleta.

-Você é o Joel, não é? - O traficante fita os olhos lacrimejados no rosto mascarado à sua frente.

-Por que tu fizeste isso, cara?

Rider não dá ouvido a Estevão, tira o freio da bicicleta e começa a pedalar. Ele já havia se afastado um pouco do traficante quando olhou de volta e disse:

-Não diz pra minha mãe, ela vai ficar puta da cara. Por favor!

E lá se foi o mais novo super-herói de Joanópolis, certo de que fora capaz de salvar a vida que estava em jogo naquela noite. Seu trabalho havia sido feito.

Estevão permanece em silêncio, observando o tristonho guerreiro que se afasta e pedala o mais rápido que pode. Olhando ao seu redor, o traficante vê a arma que fora carregada por Albert Junior, pega-a e guarda-a em um de seus bolsos. Ele mal pode acreditar que o vigilante a havia esquecido ali.

Têjota tinha Estevão e o sujeito de verde sob sua mira, porém, compadeceu-se do sofrimento que havia nos rostos daqueles dois homens tentando salvar a vida de seu amigo. Têjota decidiu deixar que os três continuassem vivos e partiu com seus amigos, já havia sangue demais sendo jorrado naquela noite. O olheiro pensou que não mataria uma pessoa de maneira injusta. Seu pai já era um homem suficientemente injusto, talvez Têjota pudesse ser algo melhor.

Branquelo sentiu-se bem, como se seu dever tivesse sido parcialmente cumprido. Pela primeira vez fora capaz de postergar o medo de ser pego, em favor da necessidade de fornecer uma vida melhor à sua família.

Marrom sentia-se orgulhoso, pelo feito, tinha certeza de que seu santo não o havia abandonado, sua sorte estava sorrindo naquela noite, ele poderia ter sido atingido, mas não foi. O meliante jurava a si mesmo que ainda voltaria para matar os dois “colegas de trabalho” e, se seu padroeiro permitisse, ainda seria capaz de assassinar o maldito vigilante que o havia acertado várias cotoveladas e pontas-pé. Voltaria para seu abrigo e dormiria sozinho, sem ninguém, afinal, sua família já o havia abandonado. Marrom dormia apenas ele e a escuridão do local em que morava, local este que mal possuía eletricidade ou saneamento.

Rafael sentia a dor aumentando em sua perna, seu corpo estava enfraquecendo gradativamente e sua visão começando a embaçar, o que outrora foram gritos de dor e desespero, agora eram sussurros e gemidos. O coitado apenas sentia as pernas do vigilante pedalando o mais rápido que podia, sua dor aumentava quando havia uma curva sendo feita e sua fraqueza aumentava quando ouvia buzinas de carros e gritos de motoristas irritados com o vigilante, que viajava pelas ruas com velocidade, porém, sem cuidado com o ferido. Rafael decidiu consigo mesmo que não se importava se pudesse vingar-se do sujeito que o havia colocado neste estado, afinal era este quem o levava a um hospital neste instante, se sobrevivesse, o traficante abandonaria a vida de crimes e jamais ousaria envolver-se com narcóticos novamente.

Junior agradecia a Deus por ter saído vivo daquele local. Tentou por tudo parecer durão, mas a realidade é que sentiu medo pela primeira vez em anos, o indivíduo vestido de verde fora um desafio preocupante e, se não fosse por um golpe de sorte, Albert temia não vencer a luta. Agora ele deveria voltar para seu abrigo e lamber as feridas, pois jurava a si mesmo que nenhum vigilante iria colocar-se entre seu destino. Entre a sua vitória e ao domínio das bocas de fumo de Joanópolis. Ele e seus companheiros encaminharam-se para seus respectivos abrigos, as risadas que representavam a celebração de uma missão cumprida, foram substituídas por silêncio. Albert Einstein Junior sentiu, pela primeira vez, que havia alguém que fosse uma ameaça para seu plano, e este deveria ser encontrado e eliminado.

Joel pedalou o máximo que pôde, desviou de todos os carros que foi capaz, carregou o peso do ferido consigo até que seus braços e suas pernas não suportassem mais, quando seu corpo entrou em exaustão e não havia sinal do hospital que procurava, pensou em desistir. Porém, quando sentiu o corpo de Rafael movendo-se, percebeu que havia alguém ali que estava em uma situação pior. Rider sabia que não poderia viver consigo mesmo caso o traficante morresse. O sangue já pingava no chão, tanto as roupas do vigilante, quanto as de Rafael estavam molhadas pelo suor e de vermelho.

O hospital Maria de Fátima já possuía alguns pacientes do lado de fora, todos aguardando serem atendidos. Eles conversavam e tentavam descobrir a causa de ainda não terem suas necessidades atendidas pelos médicos dentro do estabelecimento. Um dos pacientes, um senhor de idade, de pele escura, cabelos e bigode grisalhos, perdeu a paciência e ameaçava adentrar o local, mesmo com seu pé ferido, que era o motivo de estar ali. Não havia ninguém ali que parecia ter uma dor maior, portanto, o sujeito tentou, aos gritos e empurrões, ser atendido pelos médicos. Uma enfermeira loira e obesa gritava e tentava impedir que o senhor provocasse ainda mais transtorno.

Foi quando ambos viram a figura vestida em um casaco e máscara verdes. A roupa repleta de sangue e barro. Ele se arrastava e tentava, trêmulo, carregar um homem negro ferido em seus braços.

O mascarado deixou o ferido em uma maca desocupada, que estava na saída do hospital, voltou mancando para a bicicleta e, em silêncio, partiu para nunca mais ser visto pelos presentes.

O senhor de pé ferido e a enfermeira apenas olhavam para a cena, ambos boquiabertos. Até que a enfermeira entrou correndo no hospital gritando pela atenção de algum médico que pudesse ajudá-la.

O destino de Rafael já não estava mais nas mãos do vigilante.

Joel fora tudo naquela noite, ele era o responsável pela possível morte de um traficante de drogas, porém, havia salvado a vida daquele que realmente deveria ser atingido. Deixou os criminosos escaparem mesmo dando-lhes uma tremenda surra. Permitiu que sua identidade fosse revelada para um conhecido, mesmo que tivesse implorado para que esta não fosse declarada aos seus entes queridos. Por fim, não foi reconhecido pelo trabalho duro que teve para salvar a vida do homem que ele mesmo tinha ferido, este crédito certamente seria dado ao médico que conseguisse salvar a vida do sujeito. Porém, Joel era o herói que não recebia recompensa, sua imagem agora seria reconhecida, os criminosos contariam uns aos outros sobre ele, se tivesse sorte, tornar-se-ia um homem temido no submundo. Porém, Rider era um herói que não precisava de um símbolo, ou um emblema. Ele não queria isso para si, tudo o que queria era viver a emoção.

Pela primeira vez em anos, Joel sentiu que havia falhado miseravelmente e exaurido seu corpo até o extremo. Porém, fora uma noite para sempre memorável. A primeira vez que ele sentia sua adrenalina subir a níveis estratosféricos. E, droga, valeu a pena, afinal, não era assim que os super-heróis dos quadrinhos fariam?

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